Grace Gianoukas


Filha de mãe italiana e pai grego, Grace Gianoukas é uma figura notável em qualquer lugar. Sua voz grave, alta e algumas vezes rouca dá a graça à mulher que ela é, uma persona que revela através de gestos e olhares no palco toda a beleza de uma atriz totalmente a vontade com seu oficio.

Quando chegou em São Paulo vinda do Sul, Grace era apenas uma atriz jovem que estava em busca de um lugar ao sol, como tantos que chegam à metrópole paulistana todos os dias. Passados mais de vinte anos de sua chegada, a atriz fala com saudade de sua trajetória, não se esquecendo de pessoas que lhe abriram caminhos na carreira.

Hoje Grace pode seguir a corrente dando espaço e abrindo caminho para uma nova geração de atores que surgem no “Terça Insana”. Segundo ela, seriam necessários mais 24 horas por dia para que desse conta de tanta coisa, visto o tamanho de criatividade e inventividade na temporada paulistana do espetáculo, que traz a cada mês uma apresentação totalmente inédita.

No final dos anos 90, Grace resolveu juntar um grupo de atores para fazer um tipo de humor diferente da maioria do que vinha sendo produzido no Brasil, um espetáculo onde cada ator subia ao palco sozinho (com exceção de poucos) para apresentar um personagem baseado em acontecimentos do dia-a-dia com um toque de ironia e sarcasmo! Surgia o “Terça Insana”, projeto que já dura nove anos, conquistando cada vez mais pessoas que se divertem com os personagens e textos surpreendentes e atuais.

Por Daiverson Machado - dsilveiramachado@yahoo.com.br


Como é a construção dos personagens. Como surgem as idéias das esquetes?                              
A Terça Insana foi criada justamente para que os atores pudessem ser autores dos seus textos, então a minha busca como diretora desse projeto é sempre instigar os atores a fazer uma observação aguçada sobre o cotidiano, para que a gente tenha um ponto de vista original. Porque quanto mais a gente vai vivendo e vivendo... a gente vai engolindo tanta coisa, por exemplo, as pessoas de Juiz de Fora eu tenho certeza que quando chegam no Rio de Janeiro, vêem algumas coisas e acha diferente, porque justamente é um distanciamento critico, o carioca está fazendo aquilo diariamente e ainda não se deu conta. O ideal é que a gente consiga como cidadão, ter sempre um distanciamento político daquilo que está se vivendo naquele momento, para que a gente tenha um olhar bem humorado sobre o nosso cotidiano.  A partir de certos comportamentos e atitudes, a gente ilumina isso e podemos ser porta voz desse comportamento e com isso acabamos criando nossos personagens. Aqui em São Paulo, a Terça Insana tem nove anos e desde 2005 a gente tem um show totalmente novo a cada semana, os shows geralmente são temáticos que podem ser da Guerra do Iraque a Lula.

 Quando vocês saem em turnê por diversas cidades e regiões do Brasil, vocês procuram levar características regionais para o espetáculo?
Quando a gente seleciona personagens pra viajar pelo Brasil, geralmente a gente pensa em fazer uma coisa cosmopolita, algo que todo mundo entenda em todos os lugares. Mas é claro que tem algumas especificas que a gente acaba adaptando, por exemplo, um restaurante onde vai a alta sociedade, qual é a boate da moçada, a gente faz uma pesquisa e adapta. Sempre damos uma pesquisada nas cidades onde a gente vai se apresentar.

 O escritor Caio Fernando Abreu foi um grande amigo, acabei de ler o livro da Paula Dip “Para Sempre Teu Caio F.” e em uma das citações, ele diz que nunca houve uma atriz como você.  O que Caio deixou pra você como amigo e escritor?
O Caio é um divisor de águas na minha vida, eu conheci por acaso a literatura dele, o livro era “O Ovo Apunhalado”, comecei a ler aquilo e ficava: Meu Deus! Meu Deus! Eu passei um final de semana todo lendo aquele livro e pra mim foi muito forte. Aí comecei a procurar tudo do Caio, não conhecia ele ainda, tinha acabado de lançar “Morangos Mofados”. Em Porto Alegre teve uma Feira do Livro, onde o Caio foi lançar o “Morangos Mofados”, e eu muito humildemente entrei na fila, não tinha dinheiro pra comprar o livro, eu era muito dura na época (risos). O Caio me olhou com uma cara... mais aí fui com uma filipetinha da minha peça e tal... convidei ele pra assistir a minha peça. Passou um tempo e ele foi ver a minha peça, e eu fiquei numa alegria.. Um dia eu estava em um restaurante lá em Porto Alegre e o Caio me mandou um bilhete falando: Gostei muito do seu trabalho e fiquei com vergonha de ir no camarim. Eu fui na hora na mesa dele e ali começou uma amizade, ele estava escrevendo se não me engano o “Triangulo das Águas” e nós fomos ficando muito amigos naquele período que ele estava em Porto Alegre, quando ele foi pra São Paulo ele me falou: Vamos embora pra São Paulo! Depois de um tempo, eu acabei indo pra estréia da peça “Morangos Mofados”. Eu chegando em São Paulo foi uma coisa, Ual... Meu Deus! Então acabei me mudando e morei com o Caio um ano e meio, e aquilo pra mim foi muito importante, porque o Caio descortinou um universo de muitas coisas, litreratura, cinema, eu tive um super mestre. O que ele deixou pra mim por exemplo o Lexotan é uma influencia, eu nem sabia o que era Lexotan, o Caio de vez em quando costumava tomar um (risos). Mas acima de tudo eu fico pensando: Meu Deus eu era uma criança! O que o Caio viu em mim naquela época?  Hoje observando as coisas que ele escreveu e as coisas que eu fazia na época, realmente, olhando essa nova garotada quando as vezes aparece uma pessoa bem interessante, sabe quando você olha pra uma pessoa e vê que ela é da tribo e você fica afim de dar uma força, dar uma investida e o Caio fez isso por muitas pessoas, ele investiu em muita gente. Tanto o Caio quanto outros artistas de São Paulo foram muito generosos comigo e por isso que eu acho que na “Terça Insana” é minha obrigação abrir esse espaço para uma nova geração, porque eu recebi muito apoio e quero oferecer isso de volta. Acho que a corrente continua, um puxa o outro, se Clarice Lispector e Hilda Hilst um dia apoiaram Caio Fernando Abreu, o Caio me apoiou, eu também apoio quem vem por ai, é uma corrente.











O Caio Fernando Abreu tinha uma relação de amor e ódio com São Paulo e assim como ele você veio do Sul pra viver no meio do caos urbano de SP. me fale um pouco de sua relação esse caos urbano de SP.

Quando cheguei em São Paulo a mais de vinte anos atrás, São Paulo era uma cidade que as pessoas ainda te ofereciam a frente, você andando pela rua os carros davam uma parada pra você atravessar. Hoje em dia não tem mais isso, as pessoas não estão nem aí, acho que no mundo inteiro, nas grandes capitais, a gente vive uma guerra, uma guerra civil de umas pessoas contras as outras, as coisas mudaram muito e eu vi essa transformação acontecer. E São Paulo tem sido uma cidade muito difícil de viver, a gente perde horas no transito, mas é claro que as minhas personagens falam muito disso, São Paulo é um prato cheio pra gente criticar o comportamento contemporâneo. Também posso dizer que tenho uma relação de amor e ódio com essa cidade, só aqui poderia fazer algumas coisas, apesar de São Paulo estar sendo uma cidade muito cruel, nem sei o que o Caio estaria achando de São Paulo hoje. Ainda em uma guerra as pessoas são solidárias porque o inimigo é o outro, em um terremoto um dá força por outro, agora aqui não, é uma guerra onde são uns contra os outros, todo mundo quer se comer vivo e nesse momento que a gente vive a era da internet todo mundo virou protagonista, todo mundo virou Clark Gauble do seu filminho, tem muita mentira e muito egocentrismo. Como digo sempre no final do “Terça Insana”, nosso espetáculo é um trabalho de equipe porque arte na "Terça Insana" não tem celebridade, porque ninguém faria nada sozinho, o ‘Terça Insana “ não sobreviveria se não fosse o trabalho de cada um que nos ajuda, de todos os atores que já passaram, todos os produtores, todos os roteiristas, todo mundo do som, as camareiras, todo mundo que limpou o teatro que a gente se apresentou, isso é um trabalho de equipe e teatro não existe sem o trabalho de todo mundo.

 De Leila Diniz a Carla Perez, o que aconteceu com as mulheres? O que você acha dessa banalização em relação as mulheres?  
Acho que existe um elo perdido entre Leila Diniz e Carla Perez, eu fico imaginando o que aconteceu?  Quando a gente vê Norma Benguel, uma das mulheres que foram mais atuantes pela liberdade feminina, que é dessa geração que lutou pela liberdade feminina junto a geração da Leila e todas essas grandes mulheres. E hoje em dia é colocada em um programa e é chamada de Sapatão! Sapatão! Sapatão! Ninguém sabe quem foi Norma Benguel, essa mulher merece respeito, o Brasil trata muito mal seus ícones. Graças a Deus  atualmente a Norma Benguel estreou em São Paulo uma coisa que é do nível dela, ela esta fazendo “Dias Felizes” do Samuel Becket. Acho que as pessoas são muito inseguras ainda, temos um grande problema nesse país, a mídia, infelizmente estamos em um mundo ainda muito machista, acho isso o fim da picada. Como diz uma personagem que farei em Juiz de Fora: Agora a gente mudou muito, antigamente as mulheres não tinham direito a propriedade, não tinham direito ao estudo. Hoje nós temos a Delegacia da Mulher, hoje nós temos Lei Maria da Penha, mas vinte e cinco por cento das mulheres brasileiras apanham dos maridos regularmente. São as conquistas da mulher.

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