Cabaré das Crianças - Gilberto Felisberto Vasconcellos
A pedofilia é um fenômeno contemporâneo mundial - de Pequim a Quixeramobim. Pedófilos do mundo inteiro, uni-vos: eu, de minha parte, dei pequena contribuição ao estudo da tara do adulto pela criança quando, há sete anos, escrevi uma plaqueta, quinhentos exemplares, intitulada Eu & a Xuxa: Sociologia do Cabaré Infantil.
A editora Espaço e Tempo, Rio de Janeiro, pretende agora fazer da plaqueta alternativa um livro, o Cabaré das Crianças, que será um ensaio sobre a exploração neocolonial da infância sem escola.
Dedicarei esse ensaio ao folclorista Luís da Câmara Cascudo com a finalidade de tematizar a infância socializada pela mídia eletrônica a partir da década de 60, culminando nos dias de hoje com a dança da bundinha na garrafa para crianças, em que didaticamente Faustão é o Aristóteles e Gugu Liberato, o Platão.
Qual é a minha tese? Ei-la: a Xuxa antecipa a menstruação das meninas, preparando o mais rápido possível seu ingresso na organização genital mercantil da adolescência. Nessa organização genital retificada, o sangue menstrual precoce, cuja metonímia é o batom ou o saltinho alto, consagra o sonho consumista da paquita ágrafa e analfabeta na periferia do capitalismo videofinanceiro.
Curiosamente a menstruação prematura é o prelúdio do seqüestro do orgasmo na mulher adulta, a qual se acha bagulhada e imprestável aos trinta anos, com vergonha de ir à praia. Quanto ao macho, a perspectiva do paquito é melancolia agressiva, pipiu na mão, vítima da ansiedade e agente da violência fissurada.
As duas principais vítimas da indústria cultural televisiva são a mulher e a criança, aquilo que já foi antigamente o suporte transmissor da cultura popular ou do folclore: a narrativa da mulher para a criança. Então, o programa de auditório é o modelo pedagógico antiescola e refratário à mãe.
A dona de casa e a empregada doméstica se foderam com a Xuxa, cujo detalhe em sua biografia, badalada diuturnamente pela mídia, é não ter filhos. Toda mãe é masoquista quando liga a TV para vê-la. A vedete das crianças é desejada pelo pai, assim como a mãe quer que a filha se torne no futuro uma puta neoliberal bem-sucedida de grana na vida e no mercado.
Ao eleger como objeto de estudo o cabaré das crianças da Xuxa, estou interessado na seguinte questão: o que é um ego formado ou educado por programa de auditório? Em meados de 1997, coincidindo mais ou menos com a data da morte do educador Darcy Ribeiro, o Brasil ficou chocado com o assassinato de um índio em Brasília, queimado por uma gangue de rapazes de classe média. Esses adolescentes tiveram sua formação sentimental no programa de auditório da Xuxa e na cultura da violência da tela quente. Na seqüência da Xuxa veio a Angélica, que é puritana perto da bundinha deglutida pela garrafa da coca-cola, o alter ego fálico das privatizações internacionais dos tucanos.
Depois da Angélica virão outras Xuxas, porque Roberto Carlos — o deus de Caetano Veloso — continua fazendo sucesso entre os ouvidos masculinos e femininos ditos tesudos e apaixonados.
Com a Xuxa, na maldita década de 80 (de resto, a década da AIDS), a TV ganhou persuasão total, ou melhor, totalitária: tudo passa pela telesfera. Do útero ao cemitério. É o tudo a ver dialético da Rede Globo. A vocação pedófila do olhar televisivo. A matança de pivetes. Os menores abandonados nas ruas. A prostituição das crianças. A escravização do trabalho infantil.
O que a mulher brasileira ganhou culturalmente com o surgimento da Xuxa como videostar infantil? A Xuxa colocou a xoxota da filha da mãe em primeiro plano. Parafraseando Francelino Pereira, que xoxota é essa? A Xuxa quer um homem que saiba fazer amor, tal qual o desejo de uma boa histérica.
Se a nação brasileira é um proletariado externo, e cada vez mais o é com o entreguismo desvairado de FHC, a infeliz substituição da escola pelo programa de auditório inscreve-se como um agente socializador da xoxota infantil prostituída. Quem sabe não seremos — para gáudio do sir Roberto Campos, o tio/avô da Xuxa — o maior país exportador de pobres putinhas púberes do planeta? Tolice seria apartar a condição da criança (a criança é o pai do homem!) do modo de vida civil do adulto.
O programa de auditório infantil é o primeiro manual de educação política. De onde se conclui o seguinte: o neoliberalismo dos baixinhos antecedeu o neoliberalismo dos adultos, tal como aconteceu com Collor, Itamar e FHC.
Gilberto Felisberto Vasconcellos
Caros Amigos, ano 1- número 9- Dezembro 1997.
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