Allures (1967) - Jordan Belson

Este filme parece aquelas imagens que ficam passando no Windows Media Player quando está tocando uma música. Bom para assistir com a cara enfiada na tela, "Allures" demonstra a revolução que um cineasta independente, Jordan Belson, pode realizar através de seus experimentos feitos de forma rudimentar no porão de sua casa nos idos de 1967. Provando que as grandes produções e estúdios nem sempre garantem boas idéias, os departamentos de efeitos especiais das grandes produções parecem ultrapassados e arcaicos diante da vitalidade mostrados. É absolutamente nova a idéia desenvolvida neste filme de 7 minutos, único para época com uma trilha sonora que garante momentos de puro deleite. Por mais que alguns videos experimentais sejam por vezes difíceis, outros como este, possuem grande beleza plástica, proporcionando uma forma de desenvolver e guiar o olhar, fazendo com que as cores e formas expressos na tela sejam vistos com atenção e prazer.

Paulo Martins - Um jornalista à deriva






Em “Terra em Transe”, Glauber Rocha levou até às ultimas conseqüências os ideais das teorias que expressou, um cinema que analisasse e interpretasse a historia, lançando um olhar único sobre um momento de impasse da conjuntura política brasileira. Metaforicamente, o filme mostra o caráter de um povo e desenvolve os temas do populismo e do patriarcalismo, em uma resposta ao Golpe, mostrando a falência dos ideais das esquerdas. História de um país fictício, “Eldorado”, que passa por momentos de transição política, “Terra em Transe” transcorre toda a partir do momento em que o jornalista Paulo Martins é morto, seus pensamentos e devaneios levam o espectador a entrar nos momentos decisivos dos rumos políticos daquele país, onde cai um líder populista e outro líder com inspirações fascistas chega ao poder: Dom Felipe Vieira e Porfírio Diaz.

O personagem Paulo Martins jornalista e assessor político transita entre o poder de manipulação política e a subversão poética, na poesia, o personagem contempla a sua liberdade enquanto ser criativo e sua manipulação política é exercida à custa da ignorância do povo. Porém a incompatibilidade entre o sonho poético e a realidade política faz com que o herói se encontre sempre ofegante a procura de um líder para fazer valer os seus ideais.O jornalista ávido por verdade se encontra totalmente dilacerado e sai na busca por uma salvação para o mar de desesperança em que se afundou.

O personagem Paulo Martins é um poeta romântico, acredita que um mundo melhor é possível, porém o personagem tenta romper com seu inconsciente lírico ao pressentir que o seu romantismo, não o levou a lugar algum. Seu lado poeta tem relevância em sua personalidade, sua poesia evoca a “morte como fé e não como temor”. Porém na tentativa de algo em que se agarrar, o personagem se perde em agonia, o jornalista-poeta não sabe o que fazer, um prenúncio da castração do intelectual brasileiro nos anos 70, após o AI-5.

Os rumos políticos de “Eldorado” fazem com que o herói se entregue à angústia e ao desespero, colocando em questão a série de balanços críticos das ilusões do intelectual que anseia por um mundo melhor, mais que tem seu ideal sufocado. O mundo circundante o perturba, uma realidade onde o jogo político faz com que ele se veja sucumbido pelos dilemas de seu idealismo.O jornalista transita no meio dos acontecimentos como se a tudo assistisse e participasse. O filme é metafórico, usa e abusa do lirismo poético para mostrar o jogo de enganações e relações promíscuas e perigosas na política.

Essa inconstância do personagem não foi compreendida por alguns setores da esquerda e da direita, o que fez com que a critica da época se dividisse. Intelectuais da esquerda marxista, sob a perspectiva do filósofo húngaro Georg Lukács e do cineasta soviético Serguei Einsestein, analisaram o personagem sob o ângulo do irracionalismo burguês.Seduzido pelos políticos e donos de jornais de “Eldorado”, Paulo Martins colabora com o líder fascista Porfírio Diaz, que lhe oferece poder, dinheiro e mulheres. Mas ele recusa tudo em nome de suas idéias políticas. Dom Felipe Vieira o leva a conhecer a verdadeira máscara do populismo, onde ele descobre a podridão da esquerda, que abusa do povo para chegar ao poder, usando de uma ideologia para conquistar a massa. Os comícios majestosos organizados por ele, fazem com que seu candidato ganhe as eleições. Porém os patrocinadores da campanha impedem que uma atitude seja tomada quando um líder de sem terra é assassinado.

Dilacerado, Paulo Martins grita a despolitização da massa ignorante, indiferente, bestificada, alheia. Ele vê a massa como um fenômeno espontâneo, mas, entretanto a massa é complexa. No momento que o representante do povo vai falar, o jornalista tapa a boca do líder sindical. Porém, sua namorada Sara, retruca que a culpa não é do povo.Enquanto em “Deus e o Diabo na Terra do Sol” a expressão da fome é a seca do sertão, em “Terra em Transe” a fome é analisada sob o prisma urbano. A fome de Paulo Martins é a fome por liberdade e ideal.Um pensamento que perturba o jornalista é a questão de como o intelectual poderá superar suas alienações e contradições, buscando atingir uma lucidez revolucionária no mundo subdesenvolvido. Paulo Martins empreende uma luta quixotesca, quando percebe que a sonhada revolução, engendrada por Felipe Vieira não estourou no momento desejado.Veículos de comunicação da época, como os jornais “Tribuna da Imprensa” de Carlos Lacerda e “A Última Hora” de Samuel Wainer, revelavam a influência da comunicação de massa na história do Brasil.

Um jornalismo que caminhava lado a lado dos acontecimentos de seu tempo, tendo o poder de influenciar nos rumos dos fatos. Como no caso da conturbada figura do jornalista Carlos Lacerda, eleito governador do Estado da Guanabara, responsável por liderar e ser pivô de movimentos conservadores da direita, que desencadearam um processo político que contribuiria para que os militares dessem um golpe de Estado no país. O filme problematiza não só o jornalista intelectual brasileiro dos anos 60, que pode ser considerado emblemático até hoje, como também a relação com os meios de comunicação, antecipando o que os estudos midiológicos vieram a mostrar: que o poder político é determinado pelos interesses da mídia e sua manipulação da opinião pública, inclusive o exercício do voto.

Paulo Martins, um jornalista à deriva oscila entre a esquerda e a direita, tendo um comportamento existencial e político hesitante: Diaz-Vieira e Sara-Sílvia. Em dado momento, Sara diz a Paulo que “a política e a poesia são demais para um só homem”. No final do filme, o jornalista-poeta morre num lamento guevarista com a arma na mão, como um mártir.O filme Terra em Transe permanece atual porque os jornalistas (quando não estão conformisticamente integrados ao sistema) continuam à deriva, assim como o país até hoje não conseguiu erradicar a fome, a miséria, o atraso, o analfabetismo e o subdesenvolvimento.do entre o misticismo reacionário de Diaz e o chove-não-molha de Vieira.

Entrevista exclusiva com Maria Gladys







Alegre, transgressora, boêmia e divertida, Maria Gladys viveu intensamente o desbunde dos anos 60 e 70, estrelando grandes clássicos do cinema brasileiro. A voz que está do outro lado da linha do telefone reflete as nuances de alguém que muito tem a dizer, mas que parece ter perdido a paciência de discutir os caminhos que tomaram a arte cinematográfica em tempos de banalização da arte e novas idéias.
Dirigida por diretores como Ruy Guerra, Domingos de Oliveira e Rogério Sganzerla, Maria Gladys é uma das musas eternas do Cinema Marginal. A atriz se exilou em Londres no inicio dos anos 70 onde viveu todas as loucuras de uma época de quebra de paradigmas. De personalidade forte e grande talento, é uma das grandes atrizes da geração dos anos 60, redescoberta por jovens diretores e cinéfilos que cultuam sua interpretação em filmes como “Sem Essa Aranha” e “Os Fuzis”.

Como surgiram os primeiros trabalhos no cinema? Fale-nos um poucos de seus filmes.
Nos anos 60 eu fiz “Os Fuzis” com o Ruy Guerra, que é uma obra adorada até hoje, as pessoas adoram, o filme tem quarenta e tantos anos e não envelheceu, os jovens gostam. Os anos 60 tem essa importância. Eu também trabalhei com o Domingos de Oliveira em “Todas as Mulheres do Mundo”, adoro o Domingos, esse filme é um expoente, fiz com ele também “Edu Coração de Ouro”. Aí no início dos anos 70 eu fiz muitos filmes com o Rogério Sganzerla, estava difícil ficar no Brasil, todo mundo estava indo embora e eu fui embora com eles. Aqui tínhamos muito pouco trabalho e foi difícil retornar tudo, acho que estou até hoje retornando. Aí então eu virei artista de televisão.

A nova geração cultua os filmes marginais brasileiros e você é uma das grandes estrelas desses filmes. Como tem sido seu contato com essa nova geração?
Isso é maravilhoso, os filmes que eu fiz com o Júlio Bressane por exemplo, as pessoas adoram. Aí através desses filmes eu acabei ganhando um fã como o Bruno Safadi, com quem eu filmei juntamente com a filha de Helena Ignez, a Djin Sganzerla, “Meu nome é Dindi”. Eu fiz um espetáculo de teatro sozinha onde chamei o Bruno pra me dirigir, nós dois montamos esse espetáculo que já tem 4 anos, parece que foi ontem... a gente fez o SESC, viajamos. Esses filmes trazem essas pessoas. Eu acabei de fazer um filme em abril do ano passado em Campina Grande com um menino chamado André da Costa Pinto, um roteiro interessantíssimo, se chama "Tudo que Deus criou". Ele é um dos caras que entrou nesse projeto, revelando os Brasis, ele tem 23 anos e é um diretor muito interessante. E filmei também com o Felipe Bragança, acabei de filmar agora no final do ano, me esqueci agora o nome do filme.(risos)


Alguns cineastas brasileiros que não produziam há algum tempo lançaram filmes atualmente, como Andrea Tonacci e José Mojica Marins. O que você acha da volta desses diretores que há tanto tempo não filmavam?
Eu adoro os filmes de Tonacci, acho ótimo isso acontecer, acho ele um diretor fabuloso. O Mojica é uma figura diferente, algumas coisas eu gosto outras nem tanto, mas ele é uma pessoa muito especial e acho fabuloso eles voltarem a filmar. O Tonacci foi premiado com esse último filme dele que eu não vi, passou aqui no festival mas eu não vi. É difícil filmar. Eu agora vou filmar com o Hugo Carvana, começo a filmar em março, um filme que se chama “Se nada mais der certo”.

Qual será o seu papel?
Eu não faço a mínima idéia, só acertei cachê (risos). Mas enfim, é uma participação, é uma coisa que o Carvana faz comigo nos filmes dele, ele sempre puxa alguma coisa pra eu fazer, mas é uma participação.

Fiquei sabendo que o Cláudio Assis tinha convidado você pra participar de um filme dele.
Eu é que procuro ele mais na verdade (risos). Eu é que fico falando pra ele que ele tem que me chamar de qualquer maneira. Mas enfim, eu sei que ele esta em produção, está entrando em produção, está batalhando, está em Pernambuco, não tenho visto ele, mas de vez em quando eu mando uns emails pra ele.

Como foi viver em Londres na década de 70?
Londres pra mim foi tudo, foi uma maravilha Londres, foi um pedaço da minha vida inesquecível, alias um pedaço que eu deixei lá, eu tenho uma filha que vive lá, minha neta está começando na carreira de modelo em Londres, modelo fotográfica, ela esta em uma puta agencia, foi descoberta em um festival que ela estava. Uma fotografa viu, chamou ela e a levou pra fazer na mesma agencia da Kate Moss. Eu vi muita música, tudo que tinha lá eu vi, Led Zeppelin, The Who, Frank Zappa, eu vi tudo que havia lá.

Me fale um pouco dos seus novos projetos?
Tenho um projeto que é um programa que eu quero fazer, um programa que se chama “Boêmia”, onde eu vou falar de boêmia já que eu sou uma boêmia. Eu quero fazer um programa por mês, todos os programas com vários autores que foram boêmios, textos deles, pedaços de filmes com pessoas que bebem, percorrendo alguns bares aqui do Rio... no subúrbio, mas na verdade eu acho que boêmios verdadeiros não existem mais, acabou. Eu na verdade tenho sido mais uma boêmia diurna, aqui em Copacabana os bares não fecham tão tarde, mas eu sou uma pessoa que gosta de ficar em um balcão conversando. Agora atualmente com esse calor, eu tenho freqüentado um bar que fica no Arpoador, porque todo mundo vai à praia, daqui a pouco mesmo vou andar até lá pra dar uma relaxada. Gosto de freqüentar os bares do Leblon, não gostaria de morar no Leblon, mas gosto de ir aos bares do Leblon.

O que você tem assistido no cinema que você tem gostado atualmente?
Eu adorei ver o filme da Paula Gaetan “O Diário de Sintra”. Adorei ver o filme do Lírio Ferreira “O homem que engarrafava nuvens” que fala de Humberto Teixeira, eu adoooro esse filme.

Você protagoniza uma cena marcante cantando desvairadamente em “Sem Essa Aranha”. Como aconteceu o processo de filmagem daquele plano seqüência?
Essa cena é histórica, aquela cena foi o seguinte: o Rogério mandou que eu cantasse uma música, mas não podia ser uma música conhecida, tinha que ser uma música que ninguém nunca tivesse ouvido. Aí eu tinha uma prima cantora chamada Norma Sueli, eu era garota e escutava a minha prima cantando essa musica, mas só me lembrava desse pedaço, eu gostava de ver ela cantando aquilo, aí eu me lembrei e cantei ela no filme. Esse filme tem mais de 40 anos, essa música era muito presente na época, minha prima era viva, enfim. Então eu me lembrei e cantei. Há pouco tempo eu estou escutando alguma coisa e escuto uma cantora cantando isso, aí eu falei: Meu Deus! Eu não podia imaginar o que era, quem cantava era Rosemary Clonney, uma cantora de jazz daquela época. O Rogério (Sganzerla) como diretor era fabuloso, um gênio, só posso dizer que Rogério é um gênio, conheci um gênio, conheci vários gênios, conheci Rogério (Sganzerla), conheci Glauber Rocha, Paulo Leminski, sempre fui rodeada de gente.

The Raspberry Reich - Bruce LaBruce















O filme começa com o sequestro de Patrick, o filho de um rico industrial. Relacionamentos sexuais vão empurrando a trama. No clímax do filme, Gudrun oferece um solilóquio sobre a importância da vida pessoal na revolução. Dando particular ênfase à ruptura com as normas sexuais heterossexuais e possessivas, exortando os seus camaradas a aderir à "Intifada Homossexual".


A pressão da personalidade controladora de Gudrun faz com que o grupo se dissolva. A maioria dos guerrilheiros urbanos foge para a noite. No desfecho, os personagens são mostrados algum tempo depois. Vários encontraram a felicidade nas relações homossexuais estabelecidas durante a sua atividade revolucionária. Che tornou-se um treinador de terroristas Médio Oriente. Patrick foge com Clyde, embarcando numa carreira de assaltos a bancos. Esta ação é uma reminiscência das ações de Patty Hearst com o Symbionese Liberation Army. Gudrun e Andreas acabam por sossegar e ter um filho chamado Ulrike (em hora de Ulrike Meinhof), filho este que Gudrun espera poder vir a encarnar a próxima geração da Facção Exército Vermelho.

Bruce LaBruce é um dos diretores contemporâneos, nem tão novo assim, que tem um trabalho super interessante mas que dificilmente seus filmes chegam no mercado brasileiro, sendo possível conhecer somente através de downloads e mostras. Este filme traz algo que eu poderia chamar de revolucionário, sem aquele sarcasmo quando falamos na pretensão que essa palavra carrega, pois falar de coisas que revolucionam em nossos tempos é bastante difícil.

O poder que a sexualidade exerce sobre nossas vidas, a energia sexual como impulsionadora de todos os sentidos, transformando e revolucionando, essas são algumas das principais temáticas do universo criativo de LaBruce. Usando sexo aliado a uma estética baseada na cultura pop e queer do movimento punk gay americano, que por si só já é transgressora, este filme tem muito mais do que a tal revolução homossexual que o filme mostra.

As cenas de sexo são estimulantes, ardor e energia sexual como provocação aliada a referências que misturam discursos marxistas a imagens de sexo explicito. Desconstruindo conceitos e seriedades, o diretor cutuca o espectador através de imagens instigantes, cortes rápidos, onde pênis e vaginas surgem imensos, úmidos e eretos na tela.