Coluna Vale a Pena

A coluna "Vale a Pena" deste domingo do jornal "Tribuna de Minas" teve como personagem um dos idealizadores do Cineclube Bordel sem ParedeS, Wesley Conrado que falou um pouco do seu amor por cinema e da motivação de se criar um cineclube, além de falar de seus gostos culturais.




O sonho do cinema

“Trabalho como cozinheiro profissional, mas a minha verdadeira paixão é o cinema”, diz Wesley Conrado, 25 anos, idealizador do CineClube, em atividade no Anfiteatro João Carriço da Funalfa. “Sempre tive vontade de começar um projeto no qual pessoas interessadas em cinema pudessem ter acesso a filmes fora do circuito comercial”, explica o paranaense que trocou Joinville por Juiz de Fora no início do ano. Atualmente, o CineClube oferece à população sessões dedicadas aos primeiros filmes realizados pelo cineasta espanhol Pedro Almodóvar.

Para Wesley, o ramo da gastronomia serve como um ganha-pão, enquanto não consegue fazer da sétima arte seu meio profissional. “Mal vejo a hora de poder viver completamente para o cinema”, diz o aspirante a roteirista. “Acho o roteiro a parte mais importante de um filme, além de ser a que mais me desperta curiosidade.” Nas horas livres, Conrado, que trabalha no restaurante Til quatro dias na semana, aproveita para conferir as sessões promocionais oferecidas pelos cinemas da cidade e se dedicar a uma outra grande paixão: a leitura.

Filme
“Rocky horror picture show”, de Jim Sharman
“É um filme totalmente contra a caretice. É tudo o que eu queria ser”

Diretor
Lars von Trier
“Os filmes dele são profundos, sempre estão ligados a filosofia, psicologia, sociologia”

Atriz
Helena Ignez e Maria Gladys
“Musas do cinema brasileiro dito marginal”

Livro
“Esculpir o tempo”, de Andrei Tarkovski
“Ele mudou a forma como eu vejo a sétima arte, ao mostrar no livro todo o conhecimento acumulado durante sua carreira como cineasta”

CD
“Our map to the Monster Olimpics”, da banda Kira Kira
“É de uma banda islandesa que conheci este ano. Eles fazem um som sensível, sutil”

Exposição
“Paris no Cinema”, em cartaz no Espaço Cultural dos Correios
“Na exposição, eles estão exibindo filmes ótimos e raros”

Labirinto de Paixões

Foi um sucesso a exibição do primeiro filme de Pedro Almodóvar "Pepi, Luci, Bom" na noite de ontem. A sala teve lotação máxima e muitas pessoas que tiveram que se sentar no chão. Nós que estamos a frente deste projeto, ficamos muito felizes de ver a aceitação do público super interessante e diversificado. 

Na próxima quarta-feira será exibido "Labirinto de Paixões", um dos filmes menos conhecidos de Almodóvar no Brasil e, ao mesmo tempo, um de seus trabalhos mais engraçados, misturando elementos do melodrama mais desbragado com situações de humor quase escatológico

























"Labirinto de Paixões" é o segundo longa-metragem dirigido por Pedro Almodóvar. Realizado em 1982, o filme é um típico produto da chamada Movida Madrileña, movimento de renovação cultural que sacudiu a Espanha após os duros anos da ditadura Franco.

Madrid, anos 80. Uma cidade incômoda, selvagem e divertida. Nela acontece uma historia de amor incomum entre uma joven ninfomaníaca e o filho de um imperador árabe. Ela, membro de um violento grupo musical, e ele, preocupado em se manter escondido de terroristas de seu país de origem, são o fio condutor de uma série de relações entre os personagens mais díspares que se pode encontrar. Música, violencia verbal, perseguições, paixão, sexo... e acima de tudo, o amor e suas dificuldades.

"Labirinto de Paixões" Quarta-feira 01/09 - 19 horas na Videoteca João Carriço

 

Entrevista Exclusiva com Marcelo Adnet

Marcelo Adnet faz parte de uma nova geração responsável por trazer ao humor brasileiro sacadas inteligentes com um modo único de fazer graça com o cotidiano.  O ator chegou a MTV em 2008, com participações esporádicas no Quinta Categoria. Dali, ele ganhou seu próprio programa, o 15 Minutos, onde fala de tudo um pouco com uma dose de improviso e muito bom humor. Comprometido com o teatro carioca – há cinco anos ele faz parte do Z.E (Zenas Emprovisadas), o humorista se apresenta em Juiz de Fora no dia 28 de Setembro no Cine Theatro Central ondevai apresentar suas melhores imitações de personalidades como Cid Moreira, Silvio Santos, Pedro Bial, José Wilker e Dinho Ouro Preto.

Por Daiverson Machado - dsilveiramachado@yahoo.com.br


Você tem dificuldade quando quer ser levado a sério?
 Alguma. Mas logo percebem que estou falando sério pelo calor da minha opinião.

Sua imagem meio que se mistura com o personagem que vemos na TV. Onde começa o personagem e onde começa a pessoa Marcelo Adnet? 
 Não sei. Teoria nunca foi meu forte.



As pessoas têm medo de serem zoadas por você? 
 Será: Acho que não. Num pego muito pesado não. Mas talvez alguns que tem rabo preso podem ficar tensos.

No “15 minutos”, você ensaia ou é tudo natural? 
Rola uma seleção de emails. Fora isso, acontece tudo na hora mesmo.

Já fez ou tem vontade de fazer papéis sérios, dramáticos? 
Já fiz sim. E é difícil pra mim. Mas quero encarar esse desafio de cabeça daqui a um tempo.

Fale-me o que você gosta de ouvir, assistir e ler.
Assistir filmes em geral, ouvir musica brasileira e caribenha e ler jornal.

O que podemos esperar da sua apresentação em Juiz de Fora?
Eu vou estar super animado e querendo muito fazer um show decente pra plateia, que merece!

Mário Faustino por Fabrício Carpinejar

Há a tentação de apontar as estruturas clássicas do verso como sinônimo de conservadorismo e anacronismo. Uma noção vestibulanda de que estrofes e rimas pertencem a uma ourivesaria inútil. O novo residiria no poema visual, no haicai e no verso livre.

As aparências enganam. Dois dos poetas brasileiros mais populares, Mario Quintana e Vinicius de Moraes, foram hábeis sonetistas. Talvez seja um argumento pertinente para revisitar Mário Faustino, que privilegiou a renovação do antigo mais do que a inovação pela ruptura. Cultivou formas consagradas numa postura combativa, de crítico dentro da própria criação.

Natural de Teresina (PI), morreu precocemente em 1962, aos 32 anos, num desastre aéreo. Em sua trajetória curta, transformou a crítica literária com uma página semanal no Jornal do Brasil, atormentando o compadrio elogioso entre os amigos e enfrentando figurões do porte de Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade. Como tradutor, sincronizou o horário brasileiro com os relógios poéticos da Europa e dos Estados Unidos ao verter Charles Baudelaire, T. S. Eliot, Ezra Pound, Arthur Rimbaud e Paul Verlaine.

Lançou um único livro de poesia em vida, O Homem e Sua Hora (1955), que a Companhia das Letras acaba de reeditar, numa versão de bolso. Embora não tenha estabelecido um jeito original de versejar, desempenhou um papel decisivo e aglutinador. Representou uma figura de apoio entre duas pontas até então inconciliáveis: a tradição e a transgressão. Permitiu, assim, o surgimento do concretismo e a subsequente valorização da recriação na tradução. Assumiu uma condição ambivalente de vanguarda na crítica e retaguarda na poesia com o lema "repetir para aprender, criar para renovar".

Cantou como um barítono, extremamente alusivo, esbanjando aliterações e jogos sonoros. "Agora o bandoleiro brada e atira/ Jorros de luz na fuga de meus dias -/ E mudo sou para cantar-te, amigo,/ O reino, a lenda, a glória desse dia". Ressuscitou uma verve classicista, fundada em Virgilio e Dante Alighieri, com um mergulho intransigente na mitologia e na metalinguagem. Também adotou o tom imperativo e severo dos profetas bíblicos, de censura e ameaça. Não ficou com medo de Deus, apesar da tônica marxista-realista dominante da época. Alternou em seus versos símbolos do cristianismo (como sarça, peixes, serpente e sudário) e transfigurou os temas mais prosaicos em conflitos subjetivos e atemporais.

Não encontraremos nele o deboche, a ironia, os trocadilhos e a distensão modernista, mas um estado elevado de transe metafórico, de limpidez lírica. Desafiando a linguagem e revelando certa adoração pela morte, Faustino exibiu a luminosidade intensa e breve de um cometa.

Fabrício Carpinejar é poeta e cronista, autor do livro
www.twitter.com/carpinejar.

ROMANCE
Para as Festas da Agonia 
Vi-te chegar, como havia 
Sonhando já que chegasses: 
Vinha teu vulto tão belo 
Em teu cavalo amarelo, 
Anjo meu, que, se me amasses, 
Em teu cavalo eu partira 
Sem saudade, pena, ou ira; 
Teu cavalo, que amarraras 
Ao tronco de minha glória 
E pastava-me a memória 
Feno de ouro, gramas raras. 
Era tão cálido o peito 
Angélico, onde meu leito 
Me deixaste então fazer, 
Que pude esquecer a cor 
Dos olhos da Vida e a dor 
Que o Sono vinha trazer. 
Tão celeste foi a Festa, 
Tão fino o Anjo, e a Besta 
Onde montei tão serena, 
Que posso, Damas, dizer-vos 
E a vós, Senhores, tão servos 
De outra Festa mais terrena 
Não morri de mala sorte, 
Morri de amor pela Morte.


O SOM DESTA PAIXÃO ESGOTA A SEIVA
O som desta paixão esgota a seiva 
Que ferve ao pé do torso; abole o gesto 
De amor que suscitava torre e gruta, 
Espada e chaga à luz do olhar blasfemo; 
O som desta paixão expulsa a cor 
Dos lábios da alegria e corta o passo 
Ao gamo da aventura que fugia; 
O som desta paixão desmente o verbo 
Mais santo e mais preciso e enxuga a lágrima 
Ao rosto suicida, anula o riso; 
O som desta paixão detém o sol, 
O som desta paixão apaga a lua. 
O som desta paixão acende o fogo 
Eterno que roubei, que te ilumina 
A face zombeteira e me arruína. 
  
O MÊS PRESENTE
Sinto que o mês presente se assassina, 
As aves atuais nascem mudas 
E o tempo na verdade tem domínio 
Sobre homens nus ao sul de luas curvas. 
Sinto que o mês presente me assassina, 
Corro despido atrás de cristo preso, |
Cavalheiro gentil que me abomina 
E atrai-me ao despudor da luz esquerda 
Ao beco de agonia onde me espreita 
A morte espacial que me ilumina. 
Sinto que o mês presente me assassina 
E o temporal ladrão rouba-me as fêmeas 
De apóstolos marujos que me arrastam 
Ao longo da corrente onde blasfemas 
Gaivotas provam peixes de milagre. 
Sinto que o mês presente me assassina, 
Há luto nas rosáceas desta aurora, 
Há sinos de ironia em cada hora 
(Na libra escorpiões pesam-me a sina) 
Há panos de imprimir a dura face 
A força do suor de sangue e chaga. 
Sinto que o mês presente me assassina, 
Os derradeiros astros nascem tortos 
E o tempo na verdade tem domínio 
Sobre o morto que enterra os próprios mortos. 
O tempo na verdade tem domínio. 
Amen, amen vos digo, tem domínio. 
E ri do que desfere verbos, dardos 
De falso eterno que retornam para 
Assassinar-nos num mês assassino.


SONETO
Necessito de um ser, um ser humano 
Que me envolva de ser 
Contra o não ser universal, arcano 
Impossível de ler
À luz da lua que ressarce o dano 
Cruel de adormecer 
A sós, à noite, ao pé do desumano 
Desejo de morrer.
Necessito de um ser, de seu abraço 
Escuro e palpitante 
Necessito de um ser dormente e lasso
Contra meu ser arfante: 
Necessito de um ser sendo ao meu lado 
Um ser profundo e aberto, um ser amado

A desbundada poesia erótico-mística de Waldo Motta por Erly Vieira Jr.





Era 1994, eu tinha dezessete anos, havia acabado de entrar pra faculdade e começava a freqüentar o meio cultural capixaba. Naquele tempo, a Fafi era o “point intelectual” de Vitória e Waldo Motta ainda grafava seu nome como “Valdo Motta”, mas eu nunca tinha ouvido falar dele antes. Em algum daqueles happy hours culturais, bastante comuns nos saudosos anos 90, alguns poetas locais realizaram um recital no anfiteatro da Fafi, por ocasião do encerramento de uma oficina que o Chacal tinha realizado na cidade poucos dias antes. Um deles, baixinho, magrinho e com cara de poucos amigos, pegou o microfone, e se apresentou: “Meu nome é Edi-valdo Motta. Edi, pra quem não sabe, em gíria gay, significa”... e lá foi ele explicar pra platéia que edi era um singelo sinônimo para o impronunciável e familiar orifício anal.

Na mesa em que eu estava, todo mundo já alto por conta de horas de bebedeira, não teve um que não caiu na gargalhada. Aí ele começou: “No cu/ de Exu/ a luz.” Risinhos por toda a platéia. “Pronto, a bicha endoidou!”, foi o que eu pensei. Ainda mais depois que ele encarnou o pastor evangélico, para entoar um texto de nome “Encantamento”: “Ó Deus serpentecostal/ que habitai os montes gêmeos,/ e fizestes do meu cu/ o trono do vosso reino,/ santo, santo, santo espírito/ que, em amor, nos forjais,/ felai-me com vossas línguas,/ atiçai-me o vosso fogo,/ daí-me as graças do gozo/ das delícias que guardais/ no paraíso do corpo”.

E aí o risinho do começo da apresentação foi se tornando cada vez mais amarelo. E todo mundo foi percebendo que o negócio ali era seríssimo. “A poesia é a minha /sacrossanta escritura,/ cruzada evangélica/ que deflagro deste púlpito./ Só ela me salvará da guela do abismo./ Já não digo como ponte/ que me religue/ a algum distante céu,/ mas como pinguela mesmo,/ elo entre alheios eus”, dizia um poema de nome “Religião”. Pronto. Antes do recital terminar, eu já havia me tornado admirador incondicional do cara. Meses depois, matriculei-me numa de suas oficinas literárias. Foi uma das melhores coisas que fiz na vida. Das Oficinas Poiesis, ainda iriam surgir alguns dos nomes mais barulhentos da geração de poetas capixabas nos anos 90 e 00, mas isso já é outra história.

Até porque a história que quero contar aqui é a de Waldo Motta (nascido em 1959 na cidadezinha de Boa Esperança, situada no norte do Espírito Santo), cuja poesia situa-se no cruzamento entre o homoerotismo e uma leitura das Sagradas Escrituras, de uma maneira tão revolucionária e estarrecedora que proporcionou ao escritor muito mais barulho que qualquer poeta local fez no cenário nacional. E isso sem precisar de sair da ilha para poder ter algum reconhecimento nacional (condição que, infelizmente, ainda hoje é meio que regra para quem quer tentar uma carreira iniciada nas capitais fora do eixo hegemônico deste país).

E é Waldo que nos apresenta sua tão peculiar visão do cruzamento entre sagrado e erotismo na poesia, como podemos confirmar no prefácio de sua coletânea Transpaixão, publicada em 1999:

“Mas a doutrina que prego não é invenção, é uma descoberta: acredito piamente que encontrei a palavra perdida, secreta, impronunciável, e que nada me impede de anunciá-la, e nem a ninguém, apesar de Borges e do Imperador Amarelo. (...) Fodam-se todos: o sagrado é o sacro, e o grande segredo é que em nosso rabo está o Santo dos santos, o Céu dos céus. Por conseguinte, a solução de todos os problemas. E o povo brasileiro, com seus 200 e tantos sinônimos de bunda, parece intuir esta verdade maior.”

Isso já dá uma boa idéia do que o leitor pode esperar de cada um dos livros de Waldo. Ele afirma ser a sua poesia um “drama espiritual”, uma reflexão existencial, fruto de um processo de auto-conhecimento e maturidade. Essa trajetória se inicia em 1981, ainda no norte do Espírito Santo, com a publicação de quatro livros em tiragens independente, de poesia desbocada, recheada de gírias e episódios afrontosa e assumidamente gays, em franca consonância com o escracho da poesia marginal setentista — esses trabalhos seriam reunidos na coletânea Eis o homem, publicada pela FCAA/Ufes em 1987, numa espécie de balanço dessa primeira fase da carreira.

Poiezen, publicado pela Massao Ohno três anos depois, já aponta uma série de reflexões metapoéticas que, junto a Waw (palavra hebraica que significa ponte, travessia), marcariam uma transição para a epifania erótico-mística de Bundo, livro de 1995 que revelou Waldo (na época ainda grafado com “V”) no cenário nacional. A publicação de Bundo e outros poemas (reunindo os então inéditos Waw e Bundo), pela Editora da Unicamp, em 1996, logo atraiu os olhares de diversos figurões das letras brasileiras para a irreverência solene do poeta capixaba.

Isso é o que podemos comprovar neste depoimento Waldo, que transcrevo da gravação que fiz de sua recente participação numa mesa-redonda sobre poesia, realizada em Vitória, no Centro Cultural Up:

“Sempre fui considerado um poeta indecente, obsceno. Isto porque eu sempre misturei baixo calão com alto calão. Palavras difíceis, eruditas com palavras sujas, enlameadas, gosmentas. E não só por esta mistura de registros, também pela temática. Eu sempre me assumi como homossexual, não é uma palavra da qual eu goste, mas não tenho outra. E sempre fui muito místico. Logo, nas minhas pesquisas, estudos, aquilo que para muita gente não tem nada a ver eu descobri que tem muito a ver. Sexualidade com religião.. O mais chocante de tudo é que nas minhas pesquisas quanto mais eu procuro Deus, o sagrado, eu sempre acabo chegando aos 'países baixos', a uma geografia muito interessante do corpo humano. (...) Desde o início da história humana, existem tabus. E o que eu descobri nas minhas pesquisas e que reflete na minha poesia, é que a sexualidade é tanto a perdição quanto a salvação da humanidade”.

Apesar de recusar o rótulo de “autor gay” que a então dominante tendência dos “estudos culturais” tentou lhe conceder na década de 90, Waldo foi tema de artigos, resenhas e textos diversos de Iumna Simon, João Silvério Trevisan, Célia Pedrosa, José Celso Martinez Corrêa e Ítalo Moriconi, entre outros. Sem contar que foi incluído pela Heloísa Buarque de Holanda na antologia Esses poetas (1998), que reunia a nata da geração 90 da poesia brasileira.

Waldo ainda participou de programas como o Writer-in-residence, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, além da bolsa concedida pelo Departamento de Cultura de Munique, em 2001, que lhe permitiu concluir o poema anagramático Recanto, que se tornou sua mais recente publicação, em 2002.

E qual seria a receita para a poesia de Waldo? Para ele, a poesia tem que fazer jus à origem do termo (do grego poiesis) — descoberta, invenção, criação de realidades através do verbo: “Mas também descoberta de realidades e mundos ignorados, outras Américas e terras prometidas”, complementa, explicando que, para obter tais resultados, ele faz uso de recursos pouco usuais como interpretação de sonhos, numerologia, cabala, anagrama, estudos etimológicos de línguas como o hebraico, o yorubá e o tupi-guarani, além, é claro, dos textos sagrados oriundos de diversas tradições místico-religiosas. A isso, Waldo dá o nome de “método paraclético”, um método apocalíptico, escatológico, que pretende discutir exatamente o “fim das coisas”. Afinal, poesia, para ele é também vaticínio, profecia, sendo o poeta, dessa forma, a “antena da raça” de que tanto falava Ezra Pound.

Além de Pound, Waldo também me faz lembrar um outro nome fundamental do século XX: Jean Genet. Não só pela proximidade com uma certa marginalidade, mas também por uma opção extremamente sincera por viver de literatura (e Waldo leva isso tão ao pé da letra, ao ponto de residir, até o final da década de 90, num minúsculo porão no centro de Vitória, rodeado de livros e escritos, exatamente o período em que sua literatura mais freqüentou os cadernos culturais dos principais jornais de circulação nacional). No prefácio de Bundo, Waldo escreve:

“Minha poesia é uma síntese de meu projeto de vida, uma aventura em busca da Verdade, intuída como a ciência da restauração da condição divina (...). Não quero apenas escrever, mas também ser o que escrevo. Daí o entusiasmo e o tom solene, porque é algo sério; daí o caráter pregacional, mesmo que o meu discurso esteja ainda em construção.”

É ainda nesse texto que ele afirma propor em Bundo o cruzamento entre o “amor que não diz seu nome” e o “nome impronunciável” ou “palavra secreta”, tão presente nos textos esotéricos e freqüentemente associada à poesia. Uma mistura explosiva, não? “Eu quero ser lido, entendido, debatido, assimilado, apedrejado, amado, babado, beijado por todo mundo. Mas não posso negar que sou perverso, perversejador. Eu sou perigo, sou um grande problema. Porque sou muito radical em tudo que faço. Arte, poesia é uma questão para mim de vida e morte”, afirma o escritor.
Para Waldo, a salvação não deixa de ser “uma senda erótica”, como comprovam versos como os do poema “As brincadeiras sérias”: “Só pode amar quem moeu/ seu eu na amorosa mó,/ e desse pó renasceu”. Convenhamos: afirmar isso, numa época em que boa parte da literatura brasileira tem tão pouco a dizer, já é mais do que suficiente para iniciar um grande debate, não acham?

Mostra "A Essência de Pedro Almodóvar"










































Para dar início oficial às atividades deste “Bordel”, nós do Cineclube escolhemos o mais brega entre os chiques dos cineastas contemporâneos. Ele trabalhou 12 anos numa empresa de telefonia, teve uma banda de “glam rock” e fez teatro experimental, hoje é o cineasta espanhol mais reconhecido do mundo, Pedro Almodóvar. 

O artista se destacou durante os anos 70, quando foi figura importante do “La Movida Madrileña” movimento de renascimento da cultura espanhola após a queda do Regime de Franco, fazendo curtas-metragens em super-8 e sempre tocando em temas controversos como sexo, drogas e religião. Mas foi apenas no final dos anos 80 que ele ganhou destaque mundial com o histérico “Mulheres à beira de um ataque de nervos”.



































Por isso, nós do cineclube nos perguntamos: “O que Almodóvar fez durante todo os anos 80 antes do sucesso internacional?” Oras, eles fez filmes! Claro! E são seus filmes mais coloridos, vibrantes, histéricos, eloqüentes, melodramáticos, “junkies”, cheios da energia do início da carreira, bordados com o que há de melhor da música popular espanhola, vividos por personagens femininos marcantes cheias de paixão e desejo e homens em crise existencial. Nesta mostra exibiremos além de “Mulheres à beira de um ataque de nervos”, “Pepi, Luci e Bom e outras garotas de montão” (filme nunca lançado no Brasil), “Maus Hábitos”, “A Lei do Desejo”, dentre outros.


                                        































Nunca ouviu falar destes filmes e nem sabe quem é Pedro Almodóvar? Então esta é a maior razão para você não perder esta mostra! Você já viu todos esses filmes? Então essa é a sua chance de revê-los em tela grande!

PROGRAMAÇÃO:


18/08 - Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos

25/08 - Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão

01/09 - Labirinto de Paixões

08/09 - Maus Hábitos

15/09 - Que fiz para merecer isto?

29/09 - A lei de desejo  






Quartas-feiras de Agosto e Setembro, a partir do dia 18 (exceto 22/09)
Horário: 19h
Onde:  Anfiteatro João Carriço – Funalfa
Avenida Rio Branco 2234 – Centro – Parque Halfeld
Entrada Franca.

Mundo Falocentrico, Utopia Feminina por Júlio Zanin

























Pedro Almodóvar é, num primeiro momento, o cineasta do pós-franquismo, da Espanha moderna, que se desrecalca depois de uma longa e moralista ditadura. É, como já se disse, o cineasta da “movida”, da farra da Madri liberada, mas, de maneira mais profunda, da abertura do país a toda a sorte de influências, antes filtradas pela alfândega censória do generalíssimo.

Anárquico e libertário, Almodóvar pôde ser moderno sem jamais deixar de ser profundamente espanhol. Divulgou uma Espanha colorida, fortemente melodramática e picaresca em filmes como Pepi Luci Bom (1980), Labirinto de Paixões (1982) e Maus Hábitos (1983), para citar alguns dos títulos mais conhecidos dessa primeira fase. Nela, o anticlericalismo radical (só acessível a quem foi criado em ambiente puritano) une-se à questão urgente do sexo. E, posteriormente, do desejo, tratado de maneira mais ampla em Matador (1986), A Lei do Desejo (1987) e Ata-me (1990). Interessa a Almodóvar esse impulso paradoxal do desejo humano, que força os limites do socialmente conveniente e é própria afirmação de vida, mas também do seu contrário, a morte, a extinção do ser. Eros e Tânatos, segundo o jargão da psicanálise.
Nesse universo ambivalente, não faltam personagens homossexuais, bissexuais, travestis, transexuais e mesmo heteros. A pulsão humana não se resume aos interesses da reprodução e da continuação darwinista da espécie, e Almodóvar coloca no centro da sua cinematografia esse caótico Eros humano que explode em todas as direções e em todas as formas, até mesmo na sua inversão mais radical, a morte. Seus filmes se desenrolam nesse universo multissexual, colorido, vibrante, nas cores da paixão e das variações possíveis em torno da ciranda amorosa.

                                                                                                                                                                   


Mas, fora isso, como numa espécie de círculo concêntrico, Almodóvar revela-se extraordinário conhecedor
da alma feminina, e apologista de um tipo particular, a mulher latina. Suas atrizes favoritas logo passaram a usar o adjetivo de “almodovarianas”, tamanha a identificação com o projeto artístico e existencial do cineasta – Carmen Maura, Victoria Abril, Rossy de Palma, Marisa Paredes, e, agora, Penélope Cruz que, com ele em Volver (2006), desabrochou, perdeu aquele ar de chatinha e assumiu-se exuberante. O interessante é que o Almodóvar anárquico dos primeiros filmes e, em especial, do grande sucesso Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), sofre mutação sutil em sua fase mais madura. Sem nunca perder o gume crítico e a alma libertária, passa a imprimir tom mais terno a seus filmes. Como esquecer, por exemplo, o final de A Flor do Meu Segredo, com a música de Tonada de Luna Llena (cantada por Caetano Veloso), que acompanha o espectador como se o embalasse em doce conforto depois de tudo que lhe fora servido ao longo da trama? Ou o tom caloroso de Fale com Ela, um dos seus mais belos títulos recentes?

Neste, em meio a uma história como de hábito conturbada, o personagem Benigno (Javier Câmara) insiste que se deve conversar com as pessoas, mesmo com pacientes em coma profundo. É um patético apelo à comunicação neste mundo de balbúrdia em que as pessoas, por paradoxo, tendem a se isolar umas das outras. O cinema de Almodóvar, terno, caloroso, vibrante, ensaia um movimento em sentido contrário. Sem nunca ser diretamente político, ainda assim ele o é, ao se abrigar no vital universo feminino, refúgio para um mundo masculino e árido – mesmo que nesse mundo real as mulheres tenham participação cada vez maior, desempenhando seus novos papéis de maneira máscula.
É desse mundo ainda falocêntrico que Almodóvar faz a crítica mais consistente do cinema atual. A cumplicidade entre as suas mulheres, a maneira prática e ao mesmo tempo suave como enfrentam as contingências da vida, da doença e da morte, apontam, no pós-socialismo real, para um outro tipo de utopia contemporânea.

Mulheres à beira de um ataque de nervos - Quarta-feira -18/08 - Videoteca João Carriço

Sugestões para atravessar Agosto - Caio Fernando Abreu



Para atravessar agosto é preciso antes de mais nada paciência e fé. Paciência para cruzar os dias sem se deixar esmagar por eles, mesmo que nada aconteça de mau; fé para estar seguro, o tempo todo, que chegará setembro- e também certa não-fé, para não ligar a mínima às negras lendas deste mês de cachorro louco.É preciso quem sabe ficar-se distraído, inconsciente de que é agosto, e só lembrar disso no momento de, por exemplo, assinar um cheque e precisar da data. Então dizer mentalmente ah!, escrever tanto de tanto de mil novecentos e tanto e ir em frente. Este é um ponto importante:ir, sobretudo, em frente.
Para atravessar agosto também é necessário reaprender a dormir,dormir muito, com gosto, sem comprimidos, de preferência também sem sonhos. São incontroláveis os sonhos de agosto: se bons, deixam a vontade impossível de morar neles, se maus,
fica a suspeita de sinistros angúrios , premonições.Armazenar víveres, como às vésperas de um furacão anunciado, mas víveres espirituais, intelectuais, e sem muito critério de qualidade. Muitos vídeos de chanchadas da Atlântida a Bergman; muitos CDs, de Mozart a Sula Miranda; muitos livros, de Nietzche a Sidney Sheldon. Controle remoto na mão e dezenas de canais a cabo ajudam bem:qualquer problema , real ou não, dê um zap na telinha e filosoficamente considere, vagamente onipotente, que isso também passará. Zaps mentais, emocionais, psicológicos, não só eletrônicos, são fundamentais para atravessar agostos. Claro que falo em agostos burgueses, de médio ou alto poder aquisitivo. Não me critiquem por isso, angústias agostianas são mesmo coisa de gente assim, meio fresca que nem nós. Para quem toma trem de subúrbio às cinco da manhã todo dia, pouca diferença faz abril, dezembro ou, justamente, agosto. Angústia agostiana é coisa cultural, sim. E econômica. Mas pobres ou ricos, há conselhos- ou precauções-úteis a todos. O mais difícil:evitar a cara de Fernando Henrique Cardoso em foto ou vídeo, sobretudo se estiver se pavoneando com um daqueles chapéus de desfile a fantasia categoria originalidade...Esquecê-lo tão
completamente quanto possível(santo ZAP!):FHC agrava agosto, e isso é tão grave que vou mudar de assunto já.
Para atravessar agosto ter um amor seria importante, mas se você não conseguiu, se avida não deu, ou ele partiu- sem o menor pudor, invente um.Pode ser Natália Lage, Antonio Banderas, Sharon Stone, Robocop, o carteiro, a caixa do banco, o
seu dentista. emoto ou acessível, que você possa pensar nesse amor nas noites de agosto, viajar por ilhas do Pacífico Sul, Grécia, Cancún ou Miami, ao gosto do freguês. Que se possa sonhar, isso é que conta, com mãos dadas, suspiros,
juras, projetos, abraços no convés à lua cheia, brilhos na costa ao longe. E beijos, muitos. Bem molhados.
Não lembrar dos que se foram, não desejar o que não se tem e talvez nem se terá, não discutir, nem vingar-se , e temperar tudo isso com chás, de preferência ingleses, cristais de gengibre, gotas de codeína, se a barra pesar, vinhos, conhaques-tudo isso ajuda a atravessar agosto. Controlar o excesso de informações para que as desgraças sociais ou pessoais não dêem a impressão de serem maiores do que são. Esquecer o Zaire , a ex-Iugoslávia, passar por cima das páginas policiais. Aprender decoração, jardinagem, ikebana, a arte das bandejas de asas de borboletas- coisas assim são eficientíssimas, pouco me
importa ser acusado de alienação. É isso mesmo, evasão, escapismos, explícitos.
Mas para atravessar agosto, pensei agora, é preciso principalmente nãose deter de mais no tema. Mudar de assunto,digitar rápido o ponto final, sinto muito perdoe o mau jeito, assim, veja, bruto e seco:.

(crônica escrita em AGOSTO de 1995, O ESTADO DE SÃO PAULO)

Crime e Telermaketing por Marilene Felinto









É para o crime e para o telemarketing que mais se perdem jovens (para não citar a gravidez como outro motivo, para não associar nascimento de vida com delito e exploração) - jovens das classes baixas, é claro, que tentam tomar o rumo dos estudos e da preparação para um trabalho digno, especialmente aqueles que já terminaram o ensino médio.

Em sete anos observando adolescentes de famílias de baixa renda da periferia de São Paulo, vi perderem-se alguns para o crime, fenômeno mais "normal", digamos, nestes contextos de pobreza urbana, do que a atual debandada para o "emprego" em empresas de telemarketing, evento observado de forma crescente nos últimos quatro anos.

"Perder-se" significa aqui sair do rumo mesmo, abandonar os projetos em que estavam envolvidos e dos quais tinham algum apoio para continuar os estudos e cavar um lugar menos pior do que o subemprego.

Para o crime perdeu-se Paulo (nome fictício), 20 anos, preto de pele, pai e irmão assassinados, ensino fundamental não concluído (tinha estudado até a 7a série). "Normal" que o destino de Paulo - a despeito do emprego e do curso técnico que lhe arranjaram para dar o salto de qualidade na vida - fosse o comportamento criminoso reincidente. Paulo achava que ser bandido era sua forma de vingar o assassinato dos parentes. Para o roubo a mão armada perdeu-se também Fábio (nome fictício), 18 anos, branco, história real semelhante à de Paulo. Para a cumplicidade do crime com o namorado presidiário e fugitivo perdeu-se Sandra, 20 anos, também preta de pele, e que manifestava o desejo de cursar artes cênicas para ser atriz.

Mas esperar que Francisca (nome fictício), 19 anos, estudante dedicada, moradora da periferia da zona sul (unia das regiões mais abandonadas da cidade), sem telefone, sem conta de luz ou água formais, mas que nem por isso deixou de cursar por mérito próprio uma escola técnica pública e uni curso pré-vestibular, largasse tudo por uma gravidez não planejada é de admirar (eu ia dizer que é "um crime", a inevitável associação de idéias). Francisca se auto-sabotou (como bem disse uma médica conhecida minha sobre esses casos de adolescentes mulheres que engravidam exatamente no momento em que poderiam "deslanchar" na vida). Uma auto-sabotagem, uma repetição da história de penúria e desamparo das mães delas.

Mas daí a esperar que se perderiam Luciano, Iara, Cacilda, Teodoro (nomes fictícios) e tantos outros para a escravidão do telemarketing é inacreditável. Por 400 reais e alguns parcos benefícios eles largaram tudo - as empresas de telemarketing adotam práticas trabalhistas injustas, submetendo os jovens a horários de trabalho arbitrários, modificados quando a empresa bem entende, dificultando a vida de jovens que estudam e precisariam trabalhar em turnos que permitissem a eles a continuidade dos estudos.

Para não dizer que os meninos e meninas do telemarketing não passam de uma extensão de voz do computador diante do qual passam às seis horas diárias em que até mesmo o momento de ir ao banheiro é controlado. É claro que jovens que não têm o que comer dentro de casa precisam ir para o matadouro do telemarketing (quem trabalhou desde os 14 anos de idade para ajudar a família sabe do que se trata).

"Milagre"
Li outro dia que até mesmo tese já escreveram sobre o efeito devastador do telemarketing na vida desses jovens pobres (Selma Venço, doutorado pela faculdade de educação da Universidade Estadual de Campinas - Unicamp).

O telemarketing vem mesmo operando um verdadeiro "milagre" de recrutamento de jovens entre as classes baixas. E, como é tudo impessoal ao telefone do jovem-máquina amestrado no arremedo, como ninguém, vê ninguém, o telemarketing conseguiu inclusive a façanha de solucionar o problema da "boa aparência" e do preconceito que operam contra jovens pobres que procuram emprego. O telemarketing aceita com facilidade negros (Cacilda), gays (Teodoro), gordos etc. pelo simples fato de poder ocultá-los da sociedade!

Eles só precisam ter "ensino médio completo". É o fim da linha.

Marilene Felinto – Revista Caros Amigos

Youtube Retrô

Como seriam os anúncios publicitários das atuais redes sociais se fossem criados nos anos 50?

Com essa proposta na cabeça, a agência Moma, de São Paulo, criou três peças que mostram como poderiam ser anúncios do Facebook, YouTube e Skype de acordo com o visual e tecnologias da época.

“Seus filmes irão durar para sempre. YouTube, o endereço campeão da internet”, diz o slogan do site de vídeos, elaborado em tons amarelados e com tipografia típica de revistas como a extinta Cruzeiro.

As peças foram criadas para o MaxiMídia, maior evento de Comunicação e Marketing da América Latina, que acontece outubro,  em São Paulo.




































































Reinaldo Arenas - O Guerrilheiro que virou vítima da homofobia de Fidel



























A "confissão" da homossexualidade do escritor cubano Reinaldo Arenas (foto), foi interpretada como um rompimento com a ditadura castrista e provocou tamanha irritação entre as autoridades revolucionárias que logo o enviaram para um campo de reeducação da UMAP ( Unidad Militar de Ayuda a la Producción), cujo objetivo era readaptar sexual e socialmente os cidadãos considerados de "conduta imprópria". Nascido na aldeia cubana de Holguín em 16 de julho de 1943, Reinaldo Arenas foi, durante anos, a vítima eletiva de Fidel Castro. No entanto, sua relação com a revolução cubana nem sempre foi conflituosa. Aos 15 anos, quando Havana foi tomada pelos rebeldes, em 1º de janeiro de 1959, Arenas era guerrilheiro nas tropas de Castro que combatiam o ditador Fulgêncio Batista.

       Criado no interior da Ilha, Arenas, que nunca conheceu o pai, manifestou desde cedo uma esplendorosa vocação literária que a família, vivendo nos limites da sobrevivência, não tinha condição de entender. Em 1962, quando estudava na Universidade de Havana e trabalhava na Biblioteca Nacional, ainda sob o clima de liberdade cultural, escreveu seu primeiro romance. Participando de um concurso literário conheceu José Lezama, o grande poeta e ensaísta, que se tornou seu mentor e o ajudou, em 1967, a publicar seu primeiro livro. "Celestino Antes del Alba" conta a história de um menino pobre e limitado pela miséria, que precisava utilizar a criatividade para sobreviver e inventou um companheiro imaginário, encarnação de seus desejos e necessidades. Os dois mil exemplares logo se esgotaram, mas o regime exigia uma literatura mais engajada que contribuísse para a conscientização revolucionária. Quando começou abertamente a perseguição aos homossexuais, Reinaldo Arenas foi declarado "transgressor, anticonvencional, favorável ao direito da livre-expressão e, portanto, antirevolucionário" e como consequência, censurado.Seus manuscritos passaram a ser contrabandeados e eram imediatamente publicados, como a história do sacerdote mexicano Frei Sernamdo Teresa de Mier que, de acordo com a ótica surrealista do cubano, recebeu o título "El Mundo Alucinante" (1968).

         Durante toda a década de 70, o único sinal da existência de Arenas foi a edição francesa da obra "El Palacio de las Blanquísimas Mofetas" (1975). Dois anos mais tarde sairiam as edições mexicana e espanhola. Publicar sem a autorização da UNEAC (Unión Nacional de Escritores y Artistas de Cuba ) era um delito. E Arenas o cometeu. A polícia política cubana conseguiu confiscar e destruir algumas de suas obras e Arenas foi declarado apátrida. Já uma celebridade mundial, o poeta enfrentava o veto do Estado em seu trabalho e em sua vida. Mudando constantemente de endereço, trabalhava fazendo biscates para sobreviver.






Os "Marielitos"


       Mariel é um povoado de Cuba, localizado na baía do mesmo nome, em Havana. En 1980, milhares de cubanos protagonizaram a famosa partida do porto de Mariel para os Estados Unidos. Estes expatriados passaram a ser chamados de "marielitos". Os marielitos eram os inconvenientes do regime, o grande grupo formado por dissidentes, criminosos, doentes mentais e... homossexuais. Com total endosso do governo castrista, sob pressão dos cubanos já residentes em Miami e com a imigração americana fazendo vista grossa, aconteceu o êxodo de milhares de indesejáveis. O governo revolucionário castrista,mais tarde, explicou sua atitude como tentativa de "depurar a sociedade e purificar a pátria."



Um escritor desencantado


      Instalado inicialmente em Miami, fundou uma revista chamada Mariel - apesar da fama de criminalidade que cercou o episódio, esta palavra sempre significou para Arenas o desejo de liberdade. Mais tarde, já em New York e embriagado de liberdade, Reinaldo Arenas vivia na mesma velocidade com que escrevia. Começou a produzir de forma obsessiva e prodigiosa novelas, histórias curtas, poesia, ensaios, artigos para jornais e peças dramáticas. A experiência desoladora de viver num campo de concentração foi transformada em livro: El Central (1981 ). Mas o preconceito, a segregação, o medo da delacão pelo "delito" de ser diferente e ter uma conduta sexual considerada imprópria, transformaram o fervor revolucionário em desencanto e ressentimento. Em 1987, aos 42 anos e no auge da potência intelectual, recebeu o diagnóstico de Aids. O livro "El Portero", de 1989, testemunha este momento de miséria e marginalizacão. O prólogo de seu livro de poemas "Voluntad de Vivir Manifestandose" sintetiza seu desespero diante da situação. "O envelhecimento da miséria durante a tirania de Batista, o envelhecimento do poder sob Castro, o envelhecimento do dólar no capitalismo e, como se tudo isso ainda fosse pouco, morei nos últimos nove anos na cidade mais populosa do mundo que agora sucumbe diante da praga mais descomunal do século XX ".


Antes que anoiteça


      Com a certeza da chegada da morte e correndo contra o tempo, retomou a autobiografia iniciada quando vivia clandestino em Cuba, que intitulou "Antes que anoiteça", já que tinha de escrever aproveitando ao máximo a luz do dia. "Antes que anoiteça" foi publicado 1992, dois anos após o seu suicidio, consequência dos sofrimentos impostos pela Aids e pelos amargores do exílio. Ali estavam condensadas suas experiências - violência, erotismo, política, homossexualidade e o compromisso de viver se manifestando. O livro serviu como roteiro para o fime do mesmo nome, vencedor do Grande Prêmio do Júri no Festival de Veneza de 2000. O filme foi dirigido por Julian Schnabel e estrelado por Javier Bardem (interpretando Arenas) , Johnny Depp (em 2 papéis ) e Sean Penn.  "Marielito" e desertor cubano, Reinaldo Arenas "não desejando pedir a vida como esmola" sozinho e sem dinheiro, vendo seus livros transformados em best sellers, se suicidou no apartamento em Nova York, em 7 de dezembro de 1990. Censurado em sua terra natal, escrever era um ato de fúria no qual ele subvertia todas as formas de dogmatismo e criava suas verdades absolutas. Deixou um "Autoepitafio",onde dizia que "a vida é uma questão de risco ou de abstinência"  Reinaldo Arenas escolheu o risco.


 

































Autoepitafio


Mal poeta enamorado de la luna,
no tuvo más fortuna que el espanto;
y fue suficiente pues como no era un santo
sabía que la vida es riesgo o abstinencia,
que toda gran ambición es gran demencia
y que el más sórdido horror tiene su encanto.
Vivió para vivir que es ver la muerte
como algo cotidiano a la que apostamos
un cuerpo espléndido o toda nuestra suerte.
Supo que lo mejor es aquello que dejamos
-precisamente porque nos marchamos-.
Todo lo cotidiano resulta aborrecible,
sólo hay un lugar para vivir, el imposible.
Conoció la prisión, el ostracismo,
el exilio, las múltiples ofensas
típicas de la vileza humana;
pero siempre lo escoltó cierto estoicismo
que le ayudó a caminar por cuerdas tensas
o a disfrutar del esplendor de la mañana.
Y cuando ya se bamboleaba surgía una ventana
por la cual se lanzaba al infinito.
No quiso ceremonia, discurso, duelo o grito,
ni un túmulo de arena donde reposase el esqueleto
(ni después de muerto quiso vivir quieto).
Ordenó que sus cenizas fueran lanzadas al mar
donde habrán de fluir constantemente.
No ha perdido la costumbre de soñar:
espera que en sus aguas se zambulla algún adolescente.

Helena - A Mulher de Todos e seu Homem - Entrevista ao Pasquim 1970


A entrevista de Rogério Sganzerla e de Helena Inês marca a volta das entrevistas esculhambadas d’O Pasquim. Esculhambadas no sentido da linguagem e da esculhambação. Rogério, um dos caras mais importantes do novo cinema brasileiro, fixa sua posição diante das coisas que estão acontecendo com uma franqueza que só pode ser comparada com a de Helena Inês, sua mulher.

Sérgio Cabral – Por que a guerra com o cinema novo?

ROGÉRIO SGANZERLA – Eu sou contra o cinema novo porque eu acho que depois dele ter apresentado as melhores ambições e o que tinha de melhor, de 62 a 65, atualmente ele é um movimento de elite, um movimento paternalizador, conservador, de direita. Hoje em dia, como eu estou num processo de vanguarda, eu sou um cineasta de 23 anos, eu estou querendo me ligar às expressões mais autênticas e mais profundas de uma vanguarda e eu acho que o cinema novo é exatamente anti-vanguarda. O cinema novo está fazendo exatamente aquilo que em 62 negava. O cinema novo passou pro outro lado. Como eu estou surgindo há pouco tempo, há exatamente dois anos, eu acho que tenho que romper também com esse condicionamento e partir pra uma outra jogada sem saber exatamente o que seja esta outra jogada mas, de qualquer maneira, fazendo o que eu acho. Então eu sou um cara em liberdade o que é um motivo de espanto pra maioria dos meus colegas de cinema, mas de qualquer maneira eu sou uma das poucas pessoas que estou continuando a me manter livre, o que eu acho extremamente difícil no Brasil de hoje. Eu estou feliz porque estou mantendo minha liberdade. Agora, eu acho que este debate aqui não deveria ser centrado no problema de ser contra ou a favor do cinema novo, mas, principalmente, por nessa oportunidade eu ter feito um filme, que, como direção, é um filme extremamente simples, mas que revela um trabalho de atriz absolutamente imprevisível e original dentro do panorama do cinema brasileiro. Eu quero dizer que A Mulher de Todos é um filme que revela, sem dúvida nenhuma, sem falsa modéstia, o maior trabalho de atriz do cinema brasileiro. Eu queria que vocês vissem o filme pra poder sentir, realmente, o trabalho de Helena Inês.

Millôr Fernandes – Quer dizer que você está recuperando a Helena Inês? Porque ela já era do cinema novo anteriormente.

ROGÉRIO – Não. Eu acho que a Helena Inês sempre foi uma força original e criativa. Mesmo quando ela fez cinema novo teve ótimos momentos como, por exemplo, no de do Padre e a Moça, no próprio Assalto ao Trem Pagador, onde ela faz uma vamp de filme mexicano, eu acho que é um achado, ela se saiu muito bem.

Sérgio – Helena, você concorda com tudo isto que ele disse sobre o cinema novo e sobre sua atuação em A Mulher de Todos?

HELENA INÊS – Como eu te falei, alguém me entrevistar sem ter visto A Mulher de Todos pra mim não é nada bom. Eu acho que a minha vida mudou depois do momento que eu encontrei o Rogério e eu concordo com isso que ele falou do cinema novo. Eu estava praticamente intoxicada de cinema novo então eu não conseguia fazer uma crítica ao cinema novo. Eu estava tão dentro dele, a minha vida era aquilo e eu não podia ter uma visão crítica. O Rogério me abriu exatamente isto. Eu consegui ver melhor as coisas e talvez por isso, eu acho, que fiz uma coisa extremamente bacana, que foi essa interpretação em A Mulher de Todos. Como Rogério diz: criativa e importante. Exatamente porque era uma novidade como se eu estivesse nascendo. O negócio é esse: eu me atirei de uma tal forma que ficou especialmente bacana.

Millôr – Rogério, você definiu o cinema novo...

ROGÉRIO – Não, eu não defini, não porque não gosto de definições.

Millôr – Mas de qualquer maneira você deu uma definição política a partir do cinema novo. Você classificou-o como de direita. Então, acontece o seguinte: todo o movimento novo, mesmo que esse movimento seja puramente individual como me parece que é o seu, que aprece, ele começa a classificar o movimento artístico anterior como movimento de direita. Isto me parece que traz o perigo de você engrossar cada vez mais as fileiras de direita porque o de esquerda e de vanguarda passam a ser somente o ultimíssimo e todos os outros passam a ser reacionários. Isso não é perigoso politicamente?

ROGÉRIO – Eu não acho que é perigoso. Se fosse perigoso eu acharia interessante também. A civilização do século XX já cansou de cultivar o perigo, o perigo hoje é uma coisa obviamente bacana. Talvez eu até nem goste do perigo, mas eu acho bacana. O que eu senti foi que desse processo você tirou uma conclusão extremamente mecânica. Você acho que o ultimo seria o melhor. Eu acho que não porque o processo cinematográfico, o processo de criação, (o processo de cinema não está tão longe dos outros processos de criação), ele vive de fases. Então, nós estamos vivendo uma fase agora onde você pode, por exemplo, como a gente estava há três meses atrás, falar bem da chanchada e falar mal do cinema novo. O que era antigo em 59, a chanchada, hoje é um dado de criação, um dado inventivo e o que era novo, o cinema novo, virou um dado conservador. Então eu acho que faz parte da dinâmica.

Tarso de Castro – Você está saindo pela tangente. A colocação do Millôr foi a seguinte: tudo que não for a ultima moda é de direita. Você, então, vai ter que diferenciar entre conservador e de direita. Ou você aplicou mal o termo direita, ou aplicou mal o termo conservador.

ROGÉRIO – Não, eu apliquei muito bem o termo direita. Eu acho que não é problema de moda, não. Basta ver os filmes do cinema novo. A gente fala do cinema novo eu acho chato. É melhor não falar das pessoas, nem dos criadores, mas ver os filmes. Quando você for ver os filmes do cinema novo vai sentir o que eu estou falando. O Luiz Carlos Barreto é um cineasta que começou produzindo o Assalto ao Trem Pagador que era um filme, na época, relativamente importante. Depois, junto com Glauber e Nelson Pereira dos Santos, ele eclodiu um movimento, explodiu toda uma nova conceituação sobre cinema. Mas, agora, o que é que ele está fazendo? Ele está fazendo co-produção com os filmes franceses, com um cineasta péssimo que eu não sei o nome, aliás nem vou citar o nome pra não dar cartaz ao cara, e está fazendo filmes com os piores cineastas do Brasil. Os piores filmes de 68 quais são? Brasil Ano 2000, Capitu, A Vida Provisória, quer dizer, os piores filmes quem foi que fez? Foi o Luiz Carlos Barreto. Então, você pode notar que o Luiz Carlos Barreto significou alguma coisa. O trabalho do Joaquim Pedro em Macunaíma é um trabalho falso, um trabalho deturpador, é um trabalho que não corresponde aos ideais cinematográficos. Não dá pé, realmente, não dá pé. Você pode notar pelos filmes.

Millôr – Rogério, talvez você esteja assim nessa posição porque esteja falando especificamente de cinema. eu, por exemplo, se fosse falar de Literatura não negaria nem a obra importante de seis meses atrás nem a obra importante de 60 anos atrás. Você, possivelmente, esteja falando assim porque o cinema é definitivamente um arte inferior, cuja obra-prima de seis meses atrás está definitivamente acabada. É isso?

ROGÉRIO – Eu também acho que o cinema é inferior. Eu não chegaria a dizer que o cinema é uma arte, entende? Qualquer cineclubista diria: Não, Millôr, o cinema é uma arte. Eu, inclusive, gosto no cinema desse lado panfletário, esse lado quase vulgar, esse lado popular, visionário, o lado que eu vi muito no cinema americano. Eu também acho inferior e por isso faço filmes inferiores. Quando eu faço um filme eu tenho mil problemas de subdesenvolvimento da produção e tal, então, eu escolho o subdesenvolvimento não só como condição, mas, também, como escolha do filme. Enato os filmes são subdesenvolvidos por natureza e vocação. Você falou em cinema inferior, eu faço cinema inferior, acho perfeito. Acho que obra-prima não existe, não.

HELENA – Rogério tem uma frase que eu acho perfeita: Eu faço os melhores filmecos do Brasil. Eu acho exatamente isso.

                                                                                                                                                                  









Sérgio – Você acha que o Orson Wells faz os melhores filmecos do mundo também?

ROGÉRIO – Não, mas ele fez alguns filmecos como, por exemplo, um filme chamado O Estranho, que eu não vi mas dizem que é horroroso.

HELENA – Você está dizendo como produção não é?

ROGÉRIO – Como produção e como criação. É um filme que em vez de estar baseado no luxo e no equilíbrio do Cidadão Kane, ele está baseado na miséria, na escrotidão dos atores, na diferença de qualidade, técnica e de negativo.

HELENA – Eu quero ressalvar aquele negocio que você falou aqui que você fez uma direção humilde etc porque você é um megalomaníaco, uma pessoa extremamente orgulhosa e faz isso de (*), dizendo que sua direção é humilde quando é, muito pretensiosa.

Millôr – Uma vez que você tem essa opinião, é evidente que isto será uma atividade sua passageira, pode ser passageira de 6meses, de 10 anos, ou de dois anos. Você quando crescer o que é que pretende ser?

ROGÉRIO – Não sei, acho que jornalista. Eu queria fazer o que vocês fazem porque eu acho que o quente é ser jornalista. Eu uso cinema de uma forma jornalística. Eu também fui jornalista. Fui até repórter policial. Eu acho que o jornal dá uma visão diferente. Quando vocês fizeram O PASQUIM, vocês não foram fazer como qualquer jornal subdesenvolvido, um Estado do Rio de Janeiro ou um jornal de S. Paulo, vocês fizeram O PASQUIM. Quer dizer, já partiram da própria limitação do jornal, da própria sujeira do jornal pra fazer disso um negocio bacana. É o que eu faço em cinema. Quando eu vejo um filme da Atlântida eu acho bacana porque eu vejo lá um clima de perversão estética. Você pode notar que eles pegam filmes americanos de grande sucesso, filmes assim fascistas como Matar ou Morrer, o próprio Sansão e Dalila e transformam em aventuras com Oscarito e José Lewgoy. É exatamente nisto que estou interessado.

Jaguar – Você leu o artigo de Glauber Rocha neste último O PASQUIM?

ROGÉRIO – Não, eu não li o artigo, mas eu li um outro artigo do Glauber, na "Manchete" desta semana, que eu acho também um artigo decadente. Porque eu acho o Glauber como ser humano uma figura fantástica, mas no artigo ele faz uma pichação aos jovens que estão fazendo no Brasil um cinema de vanguarda e como eu sou um cara que assumo o papel que estou desempenhando eu gostaria, inclusive de responder ao Glauber. Ele fala que os jovens cineastas...

Tarso – Você está chamando o Glauber de reacionário?

ROGÉRIO – Não, eu acho um ser humano maravilhoso.

Millôr – Deixa eu fazer uma pergunta íntima. Você não está dizendo isto do Glauber no fundo por uma problema freudiano. Por ele ser seu comboço?

ROGÉRIO – Não. Eu queria explicar o seguinte: ele falou no meio da entrevista que os jovens cineastas brasileiros estão fazendo uma parafernália tropicalista, quer dizer, me acusando, a mim e a outros talentos, de fazerem tropicalismo quando quem faz tropicalismo são os velhos como Joaquim Pedro de Andrade e Walter Lima Junior. Tentaram fazer tropicalismo e não conseguiram. Ainda nem chegaram ao tropicalismo. O que não é meu caso, que pô, desde o inicio estava dito que não era essa a jogada. Enato, ele falou que nós fazíamos a parafernália tropicalista, especificamente no meu caso, que nós estávamos refazendo o Godard de cinco anos atrás. Aquela coisa: o subdesenvolvimento está cinco anos atrás. Agora, no meu caso, eu realmente chupo o Godard de cinco anos atrás, quer dizer, eu faço citações, eu não estou fazendo imitações que foram feitas em Macunaíma e disfarçadas. Não, eu faço bem feitas as chupações e não tento disfarçá-las, porque eu sou uma pessoas inteligente, só por isso. Eu nas só imito o Godard de cinco anos atrás como o Orson Wells de 15 anos atrás, a chanchada de 25 anos atrás e o Mojica de sempre, porque eu sou um cara apaixonado por José Mojica Marins. Agora, se tivesse de imitar o Glauber, eu não imitaria o Glauber de hoje do Dragão da Maldade, que é um filme que vocês viram e conhecem, eu imitaria o Glauber de oito anos atras, quando ele fez Barravento, que é o melhor filme dele.

Tarso – O filme que vocês viram e conhecem quer dizer o quê?

ROGÉRIO – Quer dizer que o filme é um lixo. É um filme primário, um filme ginasiano, é um filme que agride, mais pela burrice. Quando o Zé Celso faz uma agressão é uma agressão mesmo, agora ele me agride porque eu sou uma pessoa inteligente, entro no cinema pra ver aquilo e não sou tão burro assim! Ver um cangaceiro com um lenço rosa-shoking só porque o filme é colorido é um troço que me agride fisicamente.

Millôr – Não é proposital a agressão dele?

ROGÉRIO – Não, aquilo é cineclubismo estetizante e baiano.

Millôr – O intelectual, por definição, ele racionaliza. Você, como é um cara extremamente inteligente, já pensou que estará fazendo esta coisa ou instintivamente, o que é melhor, ou definitivamente, como me parece que é o caso. Você sabe que esta sua atitude agressiva em relação ao cinema novo em bloco e ao Glauber que é seu papa (seu papa, its, do cinema) só poderá te dar lucro. Esta atitude, ela é consciente ou inconsciente?

ROGÉRIO – Ela é consciente porque eu não sou uma pessoa burra. Você mesmo falou que eu sou inteligente. Falando mal do cinema novo eu me esculhambo, eu me estrepo, é um negocio, inclusive, com um certo tom suicida, mas também eu ganho uma projeção que me interessa. Eu preciso jogar com isso.

HELENA – Você é levemente oportunista, no caso?

ROGÉRIO – Não. Eu sou uma pessoa honesta. Seu eu fosse oportunista eu iria tratar bem as pessoas que eu ganharia muito mais, eu venderia meus filmes pra Europa. Não vendi até agora porque eu sou um cara ingenuamente livre.

Millôr – A tua preocupação não é do lucro material, nem é disso que estou falando. A tua preocupação maior é do lucro intelectual que você sabe que tirará muito maior com esta atitude.

ROGÉRIO – Não. O Glauber disse assim: esses fulaninhos que falam mal de seus colegas. Então ele acha que é muito imoral, dentro da moral dele, da moral do cara que tá lá com a mulher dele, falar mal de seus colegas, Acontece que o Joaquim Pedro é um cara bacana, por exemplo, mas ele nunca me aceitaria como colega dele porque eles estão dentro de uma série de quadros e não querem mexer nesse valores. Eu se fizer um filme, já sou automaticamente uma modificação que na interessa a eles. Então eu não sou colega deles, porque eu não estou nessa. Se isso é oportunismo, sei lá, minha saída é esta, meu lance é esse. Se tá errado estamos aí, o negocio é esse.

HELENA – Uma ressalva, que pra mim tem que ficar claro. Eu acho que politicamente o cinema novo é irrepreensível.

ROGÉRIO – Se eu tiver que escolher, eu vou escolher dos males o menor. O cinema novo são as pessoas mais inteligentes, mais bem informadas, ideologicamente mais interessantes. Quer dizer, são as pessoas que me interessam. Agora, eu acho 8importante um cara como eu, sem meios nas mãos, pichar as pessoas pra poder criar e mexer nas coisas. Eu acho que meu trabalho é um trabalho reformista, quer dizer, eu sou um cara que tou na jogada do cinema novo.




Tarso – Há uns sete, oito anos atrás o Glauber fez um negócio, a chamada revolução do cinema no Brasil. Reuniu todo o pessoal de vanguarda da época pra criar uma imagem nova. Você não está repetindo essa jogada contra o cinema novo?

ROGÉRIO – Não, eu não estou repetindo, porque inclusive eu estou sozinho. Eu acho que um tabahlo deste tipo, de projeção internacional como o Glauber fez, ele lançou trinta caras e quem se projetou com isso foi ele. Eu não sei se foi intencional ou não, mas foi um cara que saiu favore3cido com isso.

Tarso – Desses trinta caras quantos valiam a pena ser lançados?

ROGÉRIO – Pouquíssimos! Mas no meu caso, eu não encontro pessoas na minha geração que estejam interessadas em modificar as coisas. O cinema novo começou em 62, em 65 ele chegou ao fim. Exatamente no momento em que ele acabou-se e ganhou uma projeção, começou a ganhar prêmios internacionais e se impôs como escola. Então todo cara que aparecesse a partir dali ou ele era paternalizado ou então marginalizado. Eu fui marginalizado. Todos os outros caras bacanas foram paternalizados. Hoje eles estão saindo dessa. Eu não estou fazendo o que o Glauber fez nem seguindo o que ele fez porque não existem as condições que ele encontrou, nem esse número de pessoas.

HELENA – Do momento que o Rogério pichou um cara do cinema novo, o cinema novo inteiro se voltou contra ele. Claro, porque não se pode mexer nas coisas, os casais não podem mudar, os filmes têm que ser perfeitos, tem que tudo ficar como estava.

ROGÉRIO –é uma ordem econômica, social, de distribuição, é uma ordem familiar, uma ordem estética, aristocratizante. Eu falei mal de um filme, um filme fraco que eu não gostava. Aí eu falei pras pessoas e elas disseram: mas como, Rogério? Você não pode falar mal desse filme. Aí um cara falou assim: mas fulano, você não pode esculhambar o Rogério porque ele não gostou daquele filme, mas gosta dos seus. E o cara respondeu: não me interessam os meus. Falou mal do meu amigo tem que se (*).

HELENA - É um esquema baiano, miserável.

Millôr – Você falou em sua geração e eu não estou muito por dentro dela. Mas me parece, que a sua geração que eu conheço em cinema é você, Julhinho Bressane e Neville. De modo que em relação ao cinema novo eles são uns matusas perto de você. Eu tenho a impressão que não existe a sua geração. Você é que está inventando.

ROGÉRIO – Eu quis disser a última safra. E isso existe. Eu, Neville, Julinho. Agora, Neville e Julhinho são paternalizados e hoje saem dessa. Eu sou um cara que fui além, eu já de cara esculhambei.

Sérgio – Essa as atitude, como você coloca, assim, está modificando a luta política do cinema brasileiro. Porque o cinema novo tem uma posição e outras pessoas que são contra o cinema brasileiro têm outra posição, como o caso do Moniz Viana no Instituto Nacional do Cinema. Então nesse conflito você está com o cinema novo ou está com o Moniz Viana?

ROGÉRIO – Nesse conflito, eu estou fazendo um cinema revolucionário. Quando o Stalin estava fazendo da Rússia uma potência sensacional ele estava ao mesmo tempo obstruindo um trabalho geral, internacional. Então você pode sentir que naquele momento as opções eram dualísticas. Você ficava com um lado ou com outro. Agora, teria sido muito mais criativo se você tivesse feito, dentro do regime soviético, um trabalho de modificação e de complicação geral que é o que eu estou fazendo. Eu já escolhi o caminho que é o caminho conseqüente da transformação da sociedade. Dentro desse caminho eu sou incomodo. É um papel óbvio, primário, mas tem que ser desenvolvido.

Jaguar – Mas você tem copnsciência de que está fazendo o jogo do INC? Você tem consciência também do que você está prejudicando o cinema brasileiro em bloco? Você sendo um cara de prestígio vai ser prestigiado pelo INC?

Tarso – Só pra completar a pergunta dele: você acha que vale a pena dar essa engrossada em prejuízo do cinema brasileiro, prejuízo da indústria?

ROGÉRIO – Eu acho que vale a pena sim. No Brasil não existe indústria, ainda bem que não existe. Eu não estou fazendo o jogo do INC, não. Se você for ver cada um dos meus fotogramas você vai ver que não tem nada com o INC. Eu não tenho nada a ver com eles.

Jaguar – Mas você está contra os interesses do cinema novo.

ROGÉRIO – Os interesses do cinema novo eu quero que se (*). Eu acho que o cinema novo não pode ter esse interesses. São interesses estratificados. Não dá, realmente não dá. Eu não estou nessa.

Fortuna – Na revista Veja da semana passada saiu uma entrevista com o Mazzaropi em que ele se lançava contra o cinema novo. Eu queria registrar uma certa identidade entre você, que é um cara esclarecido, e o Mazzaropi.

ROGÉRIO – Você falou uma grande verdade. Você pode notar que o Mazzaropi fala mal do cinema novo, mas quando o Rogério Sganzerla fala mal do cinema novo é outra. Existem dois níveis diferentes. Agora, as pessoas não querem reconhecer isto então usam o argumento: o Rogério está virando Mazzaropi. Não é isso. Como os caras não podem defender os filmes eles atacam assim. Eu queria que eles defendessem os filmes que são uns vexames, são ridículos, subalternos, subservientes. Isso ninguém faz, ninguém defende os filmes.

Sérgio – Qual é a sua posição em relação ao INC?

ROGÉRIO –A minha posição é indiferente.

HELENA – Independente.

ROGÉRIO – Sabe o que é? Eu não sou uma força, eu não estou significando nada, entende? Eu nunca defendi o INC, como eu já defendi o cinema novo no tempo em que eu era crítico. Eu não ataquei o cinema novo para melhorá-lo. Eu não faço aquele equívoco do cineasta que vai analisar a classe média para melhorar a classe média. Não, eu nem falo. Eu sou contra. Eu estou achando que a orientação do INC, não me interessa nem interessam às pessoas que querem fazer do cinema brasileiro um fenômeno qualidade, de envergadura. A minha posição é independente, radical. Eu não posso endossar a luta nos termos que ela foi planejada pelo cinema novo porque é uma luta inglória. Eu vou defender um negócio pra defender outro INC, dentro do cinema novo. Dentro do cinema novo existem os mesmo valores hierárquicos e preconceituosos que o INC. Então isso eu não quero endossar. A minha posição é suicida, mas é isso mesmo e acabou.

Tarso – Quando você diz assim: tudo isto é história, não vou defender filme (*). Você diz també, uma coisa: não vendi meus filmes no exterior. Como só foram vendidos os filmes do cinema novo, e você acha todos uma (*), essa aceitação geral dos filmes brasileiros no mundo é uma (*), é um jogo político?

ROGÉRIO – Eu acho que a aceitação agora dos filmes feitos agora é uma grande (*). Eu acho que o cinema novo de 62 a 65 tem filmes excepcionais. O Nelson Pereira tem filmes maravilhosos. Boca de Ouro, Mandacaru Vermelho que é dez vezes melhor que Fome de Amor, embora ele não saiba, Barravento é sensacional, gosto muito de Deus e o Diabo, gosto do primeiro filme do Miguel Borges que chama-se Canalha em Crise. O cinema brasileiro quando era feito no mato ou na favela são os caminhos que Oswald de Andrade apontava: no sertão ou na favela. Eram filmes extremamente interessantes pela ingenuidade. Do momento em que o cara deixou de ser ingênuo pra ser um pouquinho menos ingênuo se (*) todo. Deu aquela: sou autor, vou filmar o meu universo, o meu estilo, os meus mitos, a minhas sensibilidade. Aí o cara não tinha nem muita sensibilidade, nem muita coragem nem muito talento. Aí virou um (*) porque o cinema de autor, que é um fenômeno mundial, é evidentemente um fenômeno que daqui a cinco anos vão dizer que é uma (*). É um negócio que acabou. Serviu pra mediocrizar o cinema. Então esses caras viraram vítimas de um equívoco nacional acrescido do fato de que de 64 pra cá a situação ter mudado diametralmente. Então até 64, 65, os filmes brasileiros são muito bons, agora os filmes que conseguiram sucesso são os piores, os de 65 para cá: Grande Cidade, Menino de Engenho, o Dragão da Maldade. O Terra em Transe, do Glauber, eu acho interessante, mas...



Tarso – Heleninha, você sabe que eu gosto muito de você, não sabe? Então não leve como pessoal isso. Mas, há no Brasil, entre o público, o seguinte negócio: só filma mulher de diretor. Você foi casada com o Glauber, com o Julhinho e com o Rogério. Você fez filmes com os três. Você acha que só filma mulher de diretor?

HELENA - É, eu acho. Eu concordo inteiramente com Maria Gladys. Eu acho quer os diretores ficam inteiramente apaixonados por suas mulheres e lançam elas como atrizes. Eu acho um esquema inteiramente (*). Daí você ver as piores interpretações do cinema brasileiro. Mulheres que não têm nada a dizer, não interessa, não interessam a coisíssima nenhuma e estão lá na tela. Eu sou contra esse esquema que evidentemente não é o meu. Eu sou uma atriz maravilhosa, premiadíssima.

Millôr – O Rogério diz que você está começando agora com ele, que está se revelando.

HELENA – Não, eu mudei. Eu acho que o Rogério descobriu uma outra coisa em mim. Não que descobrisse, eu sabia que tinha, mas nunca tinha a oportunidade de fazer. Eu fiz um filme com o Rogério em que eu tinha uma incrível influência, não no filme, mas no que eu fazia. E a gente tem uma tal comunicação que um filme dele, naquele momento também teria que ser um filme meu. E eu tive essa possibilidade, uma liberdade incrível de fazer diabos, misérias. Como eu te digo, você tem que ver A Mulher de Todos que é uma outra coisa.

Tarso – Me diga o que você acha das quatro ou cinco pessoas que têm trabalhado com você.

HELENA – Rogério Sganzerla: um louco, megalomaníaco, fantástico, ambicioso, uma pessoa fantástica. É mistificação, mas eu endosso inteiramente. Julinho Bressane – que (*) pra todos. Como diz Millôr, faz muito bem. E David Neves. São os cineastas anormais do cinema brasileiro.

Millôr – esse assunto é muito importante. É um assunto pessoal, existencial. Vocês em acusam de maníaco sexual, mas não é não. Existe nisso uma conotação biológica e sexual. Você trabalha bem com os homens com quem você se encontra sentimentalmente? Digamos assim pra ser pudicos.

HELENA – Eu acho perfeita a pergunta. É ingênua, grossa. Mas eu acho que não é isso não. Eu tenho uma tal admiração intelectual pelas pessoas que eu acho que isso poderia ser confundido com uma grande relação sexual. Seria sempre nesse nível intelectual primeiro. Eu tenho esse vício de achar as pessoas mais bacanas as mais desejáveis e não as mais desejáveis as mais bacanas.

Tarso – Como diz o Intervalo, vocês se identificam intelectualmente?

ROGÉRIO – Helena, essa é pra você. Eu queria abrir um parênteses. Eu queria relembrar um negócio que em deu um certo espanto aqui. Como o Millôr se parece com a obra que ele faz e o Fortuna também. Eu queria saber se eu também. Quando eu vejo aqueles filmes malucos que eu mesmo não entendo...

HELENA - Mas eles não viram o teu filme. Isso é imperdoável! É falta de cultura e conhecimento dele.

ROGÉRIO – Eu fico pensando: será que eu também lembro com o fortuna também lembra aqueles bonequinhos dele? É um negócio terrível!

Millôr – Me disseram que você gostava do Rogério porque, sem trocadilho, ele é um grande artesão?

HELENA – Também.

Fortuna – O tarso falou que a pergunta de que vocês se identificam intelectualmente é uma pergunta de Intervalo. Eu acho que a resposta tem que ser a dois. Então uma resposta pra revista Capricho.

HELENA – a minha é uma gargalhada.

Tarso – Você não precisa se preocupar com esse negócio de se identificar ou não que todo mundo sabe que você é bicha, Rogério.

ROGÉRIO – A única coisa que não me chamaram até hoje foi de bicha porque o resto tudo já me chamaram. Mau caráter, pichador.

Tarso – Eu digo por experiência própria, Rogério, que você chega lá. Porque eu estou nessa firme.


Jaguar – Rogério, e esta cabeleira parecida com a do Tarso, como é que é?

ROGÉRIO – Essa cabeleira é o lado da concessão voluntária. É o lado sórdido, da recauchutagem. Eu fui uma pessoas recauchutada pela Helena. Eu acho uma falta de personalidade total e ao mesmo tempo uma grande grandeza.

Jaguar- Quer dizer que quando ela te conheceu você tinha um cabelo príncipe Danilo e tal.

HELENA – Tinha um cabelo Maracanã, se vestia muito mal. Então nós fomos a Nova York, compramos roupas fantásticas no Greenwich Village. Penteei Rogério. Eu acho fantástico. Um homem inteiramente sem personalidade na vida familiar e aquela pessoas ótima jogada pra fora. Acho genial.

Millôr – Como é que vocês se conheceram?

HELENA - eu o encontrei há muito tempo numa festa de Natal, dando um vexame.

Sérgio – Aquelas festa que a Leila Diniz encontrou o Domingos Oliveira?

HELENA - Não, foi depois.

Millôr – Tem uma festa que já é tradicional n’O PASQUIM. É uma festa de Réveillon que foi na casa do Luiz Buarque de Hollanda em que houve uns 15 divórcios e 15 ligações novas.

HELENA – Não, não foi nessa festa não. Naquela festa eu estava também, mas foi tudo perfeito. Estávamos todos. Era aquele esquema de ter namoradinho e continuava casada. Rogério encontrei antes e estava em coma alcóolico. Tinha acabado de botar uma placa de metal na testa. Foi antes da festa do jaguar. Eu não fui à festa do Jaguar porque naquela época eu estava com o cinema novo e era chique não ir pra ficar em festas chatas. Agora eu vou voltar às suas festas.

Tarso – Agora nós podemos entrar na vida particular mais radicalmente. Você, Rogério, foi casado quantas vezes?

ROGÉRIO – Eu acho que a palavra casar é meio esquisita...

Tarso – N’O PASQUIM casamento é o seguinte: mudou de casa já está casado.

Sérgio – Você viveu maritalmente com quem?

ROGÉRIO – Eu maritalmente com Helena. Anteriormente eu era um aventureiro. Atualmente eu estou ficando mais conservador, mais sedentário, mais (*).

HELENA – Sem essa!

Millôr – Nós não fazemos muito esta pergunta, mas no teu caso eu acho importante que para O PASQUIM você desse um mínimo do chamado curriculum vitae. De onde você veio? Que tipo de formação você tem?

ROGÉRIO – Essa pergunta é fundamental porque eu tenho uma péssima formação. Eu sou uma pessoa de péssimas origens. Eu não tenho origens ruins, tenho origens médias, o que é pior ainda. Eu nasci em Santa Catarina, numa cidadezinha do interior. Não é nem Paraíba, é S. Catarina, um lixo total. Num estado que cultivou toda uma civilização de classe média. Eu tenho origem italiana por parte de pai e de mãe. Eu tenho uma grande aversão pelas minhas origens e sou uma pessoa obviamente recalcada. Eu não escondo os mês conflitos. Acho péssimo Ter nascido em Santa catarina e ao mesmo tempo maravilhoso porque é muito pequeno. O Brasil no fundo é uma grande Santa Catarina. Isso ao mesmo tempo me ajuda e me (*). É meio trágico. Não pela grandeza mas pela pequenez.


Jaguar – Como é que você veio pro Rio?

HELENA – Eu saí de casa aos onze anos. Tem uma história muito engraçada que eu nunca falei , mas vou falar hoje porque estou bebendo com vocês aqui. É o seguinte: na infância eu fui um menino obviamente inteligente, como você falou, meio prodígio.

HELENA - Até os cinco anos não falava!

ROGÉRIO – é. Até os cinco anos não falava e com sete anos escrevi um livro de contos infantis e fui a uma tipografia e publiquei um livro de contos meus. Chama-se Novos Contos e, lá embaixo, de Rogério Sganzerla. Quando tinha onze anos eu estudava em colégio de padre, aquela formação horrorosa. Padres maristas, todos sujos, sórdidos. Depois eu saí e fui morar em São Paulo. Morei numa pensão durante cinco os seis anos. A pensão foi um negócio que me abriu, porque é um negócio sórdido brasileiro. Tem aquilo que os filmes de Glauber Rocha não tem. Um negócio totalmente visceral, sórdido. Morando na pensão eu deixei de ser um cara preconceituoso pra ser um cara liberal. Nessa época é que houve o grande momento de transformação de 62, 63, 64. Depois eu fui estudar Direito e Administração de Empresas. Duas coisas que não têm nada a ver comigo. Administração eu ainda fui até o fim. Direito eu larguei no meio. Eu já fazia crítica desde os 17 anos, escrevia no suplemento literário do Estado de S. Paulo. Tinha um cara lá que achava que eu era bom, o Décio de Almeida Prado, que é um ótimo crítico de teatro. Ele gostava de mim e me de uma colher-de-chá e eu comecei a escrever. Depois eu fui redator de cinema na Visão, na Folha da Tarde, Última Hora. Então, foi um negócio que abriu. Quando eu fui fazer cinema tinha, apesar de uma grande ingenuidade, uma malícia que os outros caras não tinham. O Glauber quando pega a realidade brasileira, que é um negócio monstruoso, ele pega de um lado conceitual. Quer dizer, ele está indiretamente filmando a realidade brasileira, porque ele está através dos conceitos. Ele nunca entrou nessa.

Jaguar – eu achei essa autobiografia tão bacana que eu acho que vou perguntar para Helena uma coisa no gênero.

HELENA – A é altamente conhecida. Quando eu soube que ia ter entrevista n’O PASQUIM eu disse: vou mentir pra burro. Aí, Paulo César Sarraceni estava aqui em casa, disse assim: não minta não que Maciel sabe das coisas.Maciel não tá aqui, eu podia mentir a valer. Mas, eu tou com preguiça. Maciel é gaúcho, mas foi pra Bahia, eu fui madrinha de casamento dele. A gente cai de saber um, da vida do outro. A minha vocês já estão caindo de saber. Acho que eu não tenho que contar mais nada. Fiquei na Bahia, não tinha nada que fazer, fiz escola de teatro. Tava fazendo Direito e escolhi teatro [fim da frase apagado].

Millôr – As origens, diz as origens.

HELENA – Eu sou baiana. Salvador-Bahia. Signo de gêmeos.

Millôr – classe econômica social.

HELENA – Minha família é de alta classe média baiana. A gente vê, não tenho mau gosto, me visto bem. Não sou nenhuma miserável da Bahia. Depois vim pra cá, fiz o Assalto ao Trem Pagador porque Luiz Carlos Barreto ficou deslumbrado com Glauber em Barravento. Ele sabia que eu era muito boa atriz porque tinha visto uma peça de teatro minha na Bahia. E até aqui foi só uma carreira de sucessos, primeiros filmes, protagonistas, etc. Me separei do Glauber, tenho uma filha com ele, Paloma, que é uma menina maravilhosa.

Jaguar – Quantos anos tem a menina?

HELENA – Tem nove anos. Vive comigo e a avó. Mas não tem nenhum conflito desse tipo. É extremamente moderna ao mesmo tempo que não é. É sertaneja antiga, ligada às origens. Tem um tremendo caráter, uma coisa que eu não tenho. Ela ainda não foi contaminada por Ipanema. Continua uma menina de nove anos de idade. Tem um charme incrível, é fantástica! Depois conheci Julhinho, me casei, fiquei três anos casada com ele. Depois eu vi que seria maravilhoso a gente continuar junto, mas não dava pé. Aí me separei. Profissionalmente fiz uma série de filmes. Atravessei todo movimento do cinema novo. Fiz o primeiro filme do cinema baiano que foi a Grande Feira em 1960. Eu tinha 19 anos e faria uma mulher que não podia mais ter filho, tinha que usar rugas postiças e tal.

Tarso – Você tem 29 anos?

HELENA – 28. Sem mentir, porque às vezes digo que tenho 18 quando estou ótima no espelho. Fiz um filme com Julhinho. Um filme anormal como eu já disse. Acho o Julhinho um dos bons diretores do cinema brasileiro. Naquela época ele estava com péssimas influências, ligado a esquemas que ano são o esquema dele. Agora ele se libertou e fez dois filmes inteiramente fora que são: Matou a Família e Um Anjo Nasceu. Depois eu conheci o Rogério e de repente eu fiz uma revisão crítica em minha vida. Mina vida, porque de uma certa forma eu vivi num mundo de idéias e isso seria minha vida. Eu vi que essas coisas não davam pé e parti pra uma outra. Uma outra que eu absolutamente não sei o que é, mas que é bacana.

Tarso – Você, quando partiu de Julhinho pra Rogério, qual foi o seu processo?

HELENA – O meu processo foi, realmente, de cansaço de um esquema. Um esquema que absolutamente não dava pé. Como mulher eu vi que aquele esquema não dava pé. Com aquele esquema eu vou parar.

Millôr – Esquema é muito vago.

HELENA – São dez anos de coisas que eu já sabia. Esse esquema, realmente, não dá pé pra mim. Me enchia o saco. É um esquema que eu achava que estava falido.

Tarso – Você não tem certo domínio sobre o Rogério?

HELENA – Domínio nessas coisas que eu acho maravilhosas. A roupa, o cabelo, a paginação total. Isso é uma graça enorme pra mim e pra ele. Acho maravilhoso o Rogério perguntar no restaurante: o que eu vou comer? Isso é maravilhoso, porque é ele que está dizendo isso. é um cara que rompeu com todos os esquemas que eu conheço e me pergunta o que vai comer. Pergunta à mulher amada o que vai comer. Eu acho fantástico ele perguntar: Helena, que camisa eu vou botar? Eu quero comer carne ou peixe? Essa dependência total que Rogério tem de mim é absolutamente maravilhosa. Porque é radical e total.

Millôr – Existe uma discussão aí que está se renovando agora, imbecilmente, sobre a emancipação da mulher. Eu conheço muito bem esse esquema do Rogério. Eu sou absolutamente submisso, me deixo levar pra onde quiserem.

Tarso – Eu quero registrar aqui que isto é uma mentira absoluta.

HELENA – Eu quero registrar que esses homens são quentíssimos!

Millôr – Eu quero apenas acrescentar o seguinte: eu faço toda a submissão com absoluta superioridade, entende?

HELENA – Sem essa, Millôr. Eu acho que é um esquema de dependência maravilhoso. Eu tenho um lado sádico e protetor. Então é divino! Eu detestaria um homem que se opor a mim nessas coisas mínimas.

Jaguar – Quando aparece uma barata, quem é que mata?

HELENA – Eu acho que sou eu...

Tarso – Quer dizer que a fórmula pra mulher não ser infiel é o homem ser submisso a ela?

HELENA – Que loucura, Tarso, você juntar as duas idéias: ele me perguntar que camisa vai botar é ser infiel? Tua cabeça é mesmo um barato. Não tem nada uma coisa com outra.

Millôr – Helena, houve uma entrevista da geração realidade, mulheres que falam mal dos homens, dizendo que os homens não são de nada, e tal. Inclusive a Ítala Nandi disse que só existem no Brasil 10 homens. Como ela estava falando sexualmente, evidentemente, 10 homens de cama. Citou a nós nominalmente, mas a modéstia impede que a gente volte a citar. Agora, você acha que o homem brasileiro não é de nada?

HELENA – Eu acho Ítala uma chata e os homens quentíssimos. É o outro lado da jogada. Eu não tenho nada que ver com a geração Realidade. Acho os homens ótimos. Tenho experiências pessoais quentérrimas. Ela, simplesmente, escolheu os homens errados.

Tarso – Que você acha da emancipação da mulher?

HELENA – Sem essa, Tarso. Daqui a pouco você vai perguntar o que eu acho do Governo Médici. Como eu poderia mudar essa situação, e tal. Eu acho esse tipo de papo totalmente óbvio e não vou responder coisa nenhuma no gênero. Não dá pé. Ma praia de Monetenegro a gente já sabe que não dá pé. Eu não vou responder n’O PASQUIM o que eu acho do homem brasileiro, da emancipação da mulher.

ROGÉRIO – Eu pressinto que os homens brasileiros não são satisfatórios, atrapalham o comportamento feminino. Eu acho que há uma deficiência. É uma intuição de artista, não de um cara experimentado porque eu não...

Millôr – Não é experiência pessoal não?

ROGÉRIO – Não é experiência pessoal, é visionária.

Millôr – Voltando ao negócio de cinema que nós abandonamos pra ir pra cama. Você está numa jogada que pretende renovar o cinema. Eu, por exemplo, sou um jornalista e acredito que o meu papel se encerra no jornalismo. Eu acredito que se possa fazer com o jornalismo uma profissão pra frente constante. Você acredita que com o cinema você possa realizar alguma coisa socialmente?

ROGÉRIO – Alguma coisa sim. Mas essa coisa é muito pequena, mas sempre é possível. Cada filme que você faz é diferente do outro. Cada filme tem uma força dele.

Paulo Francis – Eu vi um filme ontem que, apesar de ter algumas (*), eu fiquei muito impressionado.

HELENA – Qual é o filme?

Francis – Vergonha. Tem umas cenas de guerra Hollywood B. tem uma hora lá imbecil que o sujeito chega e diz assim: A sagrada liberdade da arte. Depois: a sagrada frouxidão da arte. Mas o filme eu acho importante. Esse negócio de sagrada liberdade e frouxidão da arte, o que você acha?

ROGÉRIO – Eu não te conhecia e gostei muito do seu tom de locutor sofisticado. Eu gosto muito das coisas que você escreve. Mas aquele diálogo eu acho que é mal traduzido porque como está na tela eu não entendi.

Francis – Quando aquele cara mata o outro pra roubar as botas é ótimo, não é? É de uma verdade absoluta. Quando a menina diz que assim eu não vou com você e ele diz: vai ser mais fácil pra mim, também é ótimo. Então por que aquela frasezinha? Por mais mal traduzido deve ser por aí.

ROGÉRIO – Eu gosto muito do Bergman, mas pensando, eu acho realmente, vexaminoso. Eu gosto do Bergman de 52, 53. Agora, sei lá.

Tarso – A helena disse que você acha o Bergman uma (*).

ROGÉRIO – Quando você vê um filme no barato, você valoriza aquelas coisas (*). A fotografia fica linda, o som, que é direto, fica lindo. Agora, o filme é uma (*).

Millôr – Você falou em suas péssimas origens. Ora, péssimas origens não podem ser delimitadas por uma localização geográfica. Péssimas origens são origens de caráter teratológicos, que a pessoas nasce defeituosa, ou são as grandes péssimas origens, que são as de caráter econômico. Você está sendo demagógico e Santa catarina vai ficar (*) da vida com você.

ROGÉRIO – Eu acho que essa demagogia me auxilia. Ela me ajuda a compreender um negócio interior. Eu preciso desesperadamente dessa demagogia pra poder me entender. Não são as grandes péssimas origens, são as pequenas péssima origens que são realmente as péssimas origens.

Francis – Você está fazendo cinema como um negócio auto-suficiente em que você se realiza como pessoa, como profissional? Ou você acha que esse negócio não tem nenhum sentido e que é apenas um instrumento pra você dizer as coisas?

ROGÉRIO – Você é uma pessoa inteligente. Eu sou uma pessoa mediana. Eu acho que o cinema não me realiza e ao mesmo tempo me realiza um pouquinho. Falar de cinema nacional é diferente de falar de cinema em geral. Então, quando eu falo em cinema nacional, eu quero dizer que eu não estou realizado, mas estou um pouquinho. Naquela mesma situação do sambista que coloca um samba e tal, e se (*).

Tarso – Ele fala isso olhando pro Sérgio Cabral.

Francis – Não. Termina a minha pergunta.

ROGÉRIO – Eu não me realizo porque eu acho que o cinema brasileiro hoje, é um fenômeno estratificado, desinteressante. Eu acho que o público só se enche o saco com pequeninas coisas que só interessam ao diretor, não muito ao diretor e nada ao público. Eu não estou realizado nem quero estar realizado. De qualquer maneira a saída é essa. Fazer cinema é péssimo no Brasil de hoje, mas a minha saída é essa.

Francis – Você pega por exemplo um filme como Os Companheiros. É um filme acadêmico, bem feito dentro daquele esquema. É um filme que você sentia na platéia uma reação fantástica. Eu não tenho nada que ver com o Partido Comunista em primeiro lugar. Estou (*) pros partidos comunistas do mundo, que vão pra (*) que (*). É o meu manifesto. Eu acho a coisa mais reacionária que existe no mundo é o PC, mas isto é outra coisa. Mas de qualquer maneira tinha o Marcelo Mastroianni, magnífico no filme, tem cenas belíssimas, etc. Agora, você pega o Warhol, o pessoal do underground. Eu vi vários, não tive nenhuma reação, talvez por falta de familiaridade. Quando você faz um filme que tipo de coisa você objetiva? Você quer este tipo de comunicação, onde você pode dizer: e quis dizer isso? Por exemplo: eu sou jornalista. Quando eu faço um artigo eu quero dizer uma determinada coisa e quero que as pessoas entendam ou, então, eu quero dar uma que (*) que não entendeu, mas eu quero dar aquela. Eu quero saber a sua versão.

ROGÉRIO – Eu acho que quando você é jornalista você faz o que quer, as quando você é cineasta, você não faz o que você quer. É uma grande complexidade. Cinema, mesmo que você faça no Paraguai é difícil pra burro. Eu faço (*) pro cinema, sempre gozam do aquela coisa que eu estou fazendo. Procuro sempre ironizar na linguagem do filme. Mas aquela coisa que você consegue como jornalista, como diretor de cinema é muito difícil. Especialmente cinema subdesenvolvido, ridículo, e tal. Isso que você falou eu acho perfeito porque isto que você está procurando é um negocio que você consegue fácil com o jornalismo. Eu pego a máquina de escrever, eu acho maravilhoso. Eu faço tudo quem eu quero, eu pego as palavras e transformo, faço o diabo. Agora, pra filmar é difícil. Principalmente no cinema brasileiro. Então eu me (*), eu me jogo. É um negocio terrível, é uma experiência de suicida e ao mesmo tempo é medíocre, não leva a nada, não resolve (*) nenhuma. Eu acho que a grandeza do cinema está baseada nessa grande dificuldade. Eu tenho um grande prazer de sentar numa máquina de escrever. Outro dia, eu fiz um artigo pra revista "Shell". Mas pra fazer cinema, não existe essa unidade semântica que é a palavra.