Este curta dirigido por Helena Ignez, mostra os bastidores da Belair, a produtora que em 5 meses produziu 5 clássicos do cinema brasileiro. Uma festa no meio de uma ditadura, nos idos de 1970, um grupo de jovens artistas se despediam do país, após produzirem alguns dos maiores e mais perturbadores filmes de todos os tempos. O que dizer de filmes como "Sem Essa Aranha" e "Copabacana Mon Amour"? É inexplicável todos os sentimentos que estas imagens provocam. Eu fiquei comovido quando assisti a este filme que é uma linda declaração de amor de Helena ao mestre Sganzerla e compartilho aqui com vocês:
Entrevista com José Sette por Wesley Conrado
Conheci José Sette quanto vim morar em Juiz de Fora este ano. Até então nunca tinha ouvido falar de seu nome ou de seus filmes. Ele é mineiro, morou muitos anos em Juiz de Fora, produziu aqui também. Despontou para o cinema durante os anos 70 com o filme “Bandalheira Infernal”, exibido recentemente no CineClube Bordel Sem Paredes, longa que entrou para lista do chamado “Cinema Marginal Brasileiro”, seu filme de maior notoriedade chama-se “Um filme 100% brazileiro” de 1985 que teve cópia restaurada este ano para a Mostra do Filme Livre, onde José Sette foi o grande homenageado com uma retrospectiva de seu trabalho.
Recentemente José Sette veio à Juiz de Fora exibir seu mais novo longa, “Amaxon” e participar de uma gravação para os arquivos do MaMM, por isso tive a oportunidade de me encontrar com o cineasta, que logo me concederia esta entrevista via email, onde fala sobre sua trajetória, sua forma de trabalhar, sua visão do cinema autoral, da atual condição do cinema brasileiro, downloads ilegais e muito mais!
Como se faz um filme sem Roteiro?
- Quando fiz o filme Bandalheira Infernal, não tinha roteiro escrito, mas tinha muitas idéias na cabeça em relação a um simples mote da época de 1975 (vivíamos a ditadura militar): Presa e Predador. Perseguição e rebeldia. Inocente versus facínora. Vício ou virtude. Preto no branco. Um sujeito escroto, inconseqüente, moralista corre atrás de um jovem solitário alheio a sua realidade. A partir desse mote, fui construindo e depois dramatizando os personagens em cena. Armada a ação eu escrevia, com caneta, os diálogos-monólogos da cena. Escrevia entre uma e outra filmagem. Depois de uma semana de filmagem fui para a antiga moviola Prevost, 6 pratos, do Roberto Bataglim, uma ilha de edição das antigas nos fundos da casa-produtora situada na Álvaro Ramos, no bairro de Botafogo, onde eu e Rogério Sganzerla, passamos noites assistindo, rolo a rolo, plano a plano, em 35mm, indo e voltando, o Cidadão Kane do Orson Welles. Uma semana depois eu já estava editando, com meu amigo americano Robert Feinberg, os 100 minutos do copião filmado. Sincronizávamos o som direto e depois, o mais difícil, era cortar a imagem/som, colar com fita, plano a plano, para fazer ao final uma obra de 75 minutos. Talvez, hoje, eu nada cortaria e faria um filme de 100 minutos. O verdadeiro Cinema, como dizia Eisenstein, se faz na montagem. Montar o quebra cabeça pareceria difícil sem um roteiro! Demorou 90 dias, mas foi fácil!
Você faria um filme sem roteiro nos dias de hoje?
- Se as circunstâncias me permitissem, é claro que faria. Em verdade os meus roteiros, que ficaram na gaveta e que ando publicando na internet, se filmados fossem, seriam, de mil maneiras, modificados na confecção das ações, nos sets, em cada uma das locações, nos diálogos, nas inflexões dos atores em cena, nos movimento de câmera, na iluminação, não há como imaginar o que pode acontecer durante as filmagens de um cinema que se quer livre e poético. O que eu poderia lhe dizer é que talvez o único trabalho que mantive a coerência do roteiro com o resultado final foi Amaxon.
Quando você está criando uma história ou um personagem, você busca à priori criar algo essencialmente novo, sempre? Como você vê e trabalha com o lugar comum e os estereótipos no cinema?
- Se você prestar atenção vai ver que todos os meus filmes, com exceção de Amaxon e Bandalheira, contam fatos que me foram significativos, me emocionaram, na vida dos personagens que estavam esquecidos, ocultos na nossa história artística e cultural e que verdadeiramente existiram – Goeldi, Cendrars, P.W.Lund, Guarnieri, Nava, Nunes, Murilo, Geraldo Pereira, Tancredo, Krajcberg, Daibert, Augusto dos Anjos, etc., ou seja: nada de novo, apenas segredos nunca contados. A personagem Laura do Amaxon, embora velha, é nova na maneira que é retratada, no desenho da construção da sua personalidade, e nova como proposta de linguagem cinematográfica, um trabalho muito mais verbal que visual, pois foi capitado com vídeo e tratado em toda a sua edição como cinema. Não trabalho com um cinema realista, novelesco como clichê da coisa fácil, apegado ao cinemão de roliude, filho bastardo do entretenimento, querendo agradar/enganar o grande público. O meu cinema tenta mergulhar em mar mais profundo e por isso mais perigoso.
Porque o cinema brasileiro se parece com um filho debilitado?
Depende de como ele é visto. A história do nosso cinema é única e sadia até o golpe militar de 64, ali se iniciou a devassa. Após a anistia e as eleições diretas, o que restava do bom cinema foi dizimado na era Color, perdemos a nossa identidade, hoje o cinema brasileiro retornou as telas, timidamente, com as nossas “grandes” produções que nada nos diz respeito, em termo de linguagem visual e menos ainda na estética do texto, importado do que pior faz o cinema americano que são hoje as novelas brasileiras. O cinema de arte no Brasil infelizmente está à míngua. Se existe não está sendo exibido e nem mais é produzido. Todos os jovens estão sendo robotizados por uma linguagem e uma estética que não é nossa. Massacre cultural. Tudo pela ignorância de todos. Já deveríamos ter nos reabilitados, mas para isso é preciso dar o primeiro passo, o mais difícil de todos, que é conquistar os nossos direitos a tela e a telinha, a exibição dos nossos filmes.
2010 está sendo um bom ano comercial para o cinema nacional com muitos lançamentos. Você foi ver “Chico Xavier”?
- Faz muito tempo que não vou ao cinema, a ultima vez fui assistir o último filme do Bressane com minha amiga Maria Gladys. Fui rever o velho amigo. Penso que ultimamente não tenho mais tempo a perder com coisas que não me dizem nada. Ando me divertindo lendo e escrevendo.
No Brasil dezenas de longas são produzidos todos os anos, mas talvez nem 20% do que foi produzido chegue às salas comerciais e os outros 80% acabam entrando para o esquecimento. Porque acontece isso?
- Porque toda a rede de exibição está nas mãos das empresas estrangeiras e de seus representantes fantoches no Brasil, que nada sabem de arte, que não tem comprometimento com a cultura do cinema brasileiro, ainda mais sendo produções independentes, não importa se são criativos, mas é que falam de coisas que a eles não interessam divulgar, muito menos prestigiar. E como a imprensa esta comprometida, toda essa loucura, esse massacre cultural, cai no esquecimento.
Quando você está trabalhando num filme, quais suas expectativas para ele? Você se vê em Cannes, Berlin, Oscar...?
- Quando eu consigo fazer um filme, ultimamente, ele é tão experimental, tão desprovido de verba, e tão pouco visto no meu país, que só mesmo um fato relevante fará ele reconhecido em qualquer festival de cinema aqui ou lá fora. Não faço o meu cinema com alguma perspectiva de público e prêmios. Faço o cinema que sei fazer e que gosto de experimentar. Faço cinema como escrevo poesia, como imagino um quadro, um conto, um sarro, uma mulher. Faço cinema porque sou impelido a fazê-lo por forças que não domino. Nunca ganhei dinheiro com os meus filmes, mesmo aqueles que foram premiados, mal foram exibidos, um absurdo histórico contra a minha arte e de muitos outros grandes artistas brasileiros da imagem que permanecem desconhecidos do público.
Como vai ser a distribuição de “Amaxon”? Vai ter lançamento em dvd, passar na TV?
- Essa é a batalha que Hercules não desejaria ter. Tenho exibido o filme em pré-estréias aqui e ali. Vou tentar convertê-lo em sistema digital (Ran) para exibi-lo nos cinemas. Estou traduzindo os poéticos diálogos para o inglês. Quero exibi-lo ainda, para os amigos, em São Paulo e Belo Horizonte. Depois vem a tevê e no fim o DVD. Precisava de uma distribuidora que se interessasse..., mas essa figura de mercado, para esse tipo de cinema, não existe.
Eu só consegui assistir aos filmes do chamado “Cinema Marginal Brasileiro” porque baixei esses filmes da Internet, de outra forma é muito difícil ter acesso a esses filmes. Como você vê o negócio dos “downloads” ilegais? Já pensou disponibilizar seus filmes para “download” no seu blog?
- Seja marginal, seja herói! Essa frase pautou o movimento concretista das artes plásticas, do final dos anos sessenta, liderado por Hélio Oiticica, compondo com o cinema, a poesia, o teatro, uma explosão criativa de contestação aos padrões estéticos da época. Não fiz parte desse movimento, meu primeiro filme Bandalheira é de 75, mas todos que dele participaram eram meus conhecidos. Posso dizer que deles sofri uma grande influência na maneira de ver a nossa realidade, mas não ao retratá-la. Sou marginalizado, mas não sou um marginal, muito menos um herói. Não sou contra nem a favor a pirataria. Por um lado eu acho que a arte pertence a todos, é universal, mas no mundo capitalista para você ter acesso a ela é preciso pagar um preço absurdo. O que fazer? A arte e a cultura do povo é um dever do estado que deve incentivá-la, preservá-la e difundi-la. Isso acontece?
Antes de dirigir seu 1º longa você passou um tempo exilado na Europa. Ter ido para a Europa com 20 e poucos anos fez muita diferença na sua vida? O que você sugou da Europa naquela época?
- Não foi fácil deixar a família ,os amigos, o Brasil.Tinha 22 anos. Lá rodei o meu primeiro filme: um estudo cinematográfico de uma viagem a África do Norte que chamei de Misterius. Nunca finalizei o material. Usei trechos na edição do Amaxon. A Europa nada me deu a não ser o sentimento indescritível de estar livre, de viver com liberdade. Vi e revi alguns clássicos na cinemateca francesa. Visitei alguns museus. Conheci pessoas maravilhosas. Sobrevivi naquele mundo que com o passar dos dias tornava-se insuportável de saudades do Brasil.
No seu blog tem o roteiro de 6 filmes que ainda não foram produzidos. Escrever um roteiro é o suficiente para acalmar as ansiedades e as angustias do artista?
- O roteiro é um escrito em forma cinematográfica de algum texto que já existia anteriormente. Meus filmes nascem de projetos literários exercitados por mim: romances, contos, poesias, escritas avulsas, crônicas, etc., compõem o baú da criação de onde jorra diariamente água limpa. Depois vou sujando-a com as fontes da escrita. Do texto romanceado surge o roteiro e finalmente o filme. Mas confesso que muitas vezes pensei em parar no escritor. Seria mais fácil, embora escrever é mais difícil do que fazer cinema.
De onde vem o interesse por ciência e astrologia? Isso influencia sei trabalho?
- Sou um apaixonado pelo cosmo, pelas estrelas, galáxias, pelo universo e todo mistério nele contido. É preciso abstrair-se dos conceitos físicos da terra para abrir os olhos para o futuro. É quando eu observo o passado e entender que só o futuro é moderníssimo. Entender um é descortinar o outro. Amaxon é de certa maneira um filme futurista.
uais suas maiores influências nas artes, na vida, no cinema?
- Minha avó paterna Luisa, me apresentou a poesia e os instrumentos musicais, piano e bandolim, ela abriu-me, quando ainda era uma criança, o coração para arte. Ativou a minha sensibilidade criativa que foi sendo consolidada por minha avó materna, Emília, professora,que me ensinou a estudar... Posso arriscar uma audácia e dizer que quem mais me influenciou foi o eu mesmo, sim! Não me lembro nos filmes que fiz que dissesse: Vou rodar esse plano a maneira daquele plano do Mario Peixoto no seu extraordinário filme O Limite. Não me lembro de ter pensado em Glauber Rocha quando filmei Um Filme 100% Brazileiro e nem em Julio Bressane quando filmei o Goeldi, muito menos em Rogério Sganzerla quando fiz o Bandalheira, menos ainda em Humberto Mauro quando filmei Labirinto.Pensei em Hitchcock, mas o meu Vertigem, por mais que esforcei,não tem nada do Vertigo original.O cinema nasceu em mim. Brotou com vontade própria, rebelde e sem medo. Posso dizer que a literatura foi um fator preponderante no meu universo cinematográfico. Li o primeiro livro sobre cinema aos quinze anos, em 1963 “Elementos de Cinestética” do Padre Guido Logger, um professor que conheci q uando mudei do Rio para Belo Horizonte. Editora AGIR. Precisa aprender o que era fazer um filme. Estava escrevendo uma história sobre Belo Horizonte que depois transformei em Roteiro com o título de Cidade Sem Mar. Aos 16 anos já queria fazer cinema. Outros livros que me influenciaram definitivamente em relação a linguagem cinematográfica que depois iria praticar, foi do gênio Serguei Eisenstein “Reflexões de um cineasta” Editora ZAHAR.Fechando o ciclo eu mergulhei no livro do Haroldo de Campos, “Ideograma” Editora CULTRIX e descobri as bases do meu enigmático trabalho nas artes do cinema cultura, experimental e poético que tanto eu queria fazer.
Assistam vídeo feito em virtude da Mostra do Filme Livre que homenageou o cinema de José Sette:
Helena Ignez - Musa do Cinema de Invenção
Ícone do cinema brasileiro moderno, Helena Ignez esteve junto aos grandes gênios da arte cinematográfica, atuando em clássicos com uma beleza e uma forma de atuar única e marcante. Uma carreira singular, estrelada por clássicos como “O Bandido da Luz Vermelha” e “Sem essa aranha”.
Helena Ignez é tão singular que somente poderia ter sido moldada por relações com homens que viveram o cinema com o corpo e com a alma, no caso alguns dos diretores mais importantes surgidos no país, numa afinidade em que os vínculos da atriz com cada diretor confundem-se e imbrica-se ao ponto de não se saber onde começa a contribuição da musa inspiradora e onde inicia o trabalho de cada um desses cineastas na lenta construção do mito da artista. Até mesmo por que existe um consenso de que Helena não foi descoberta, na verdade ela quem foi incumbida pelos deuses para cruzar os caminhos de Glauber Rocha, Julio Bressane e Rogério Sganzerla.
Atualmente Helena Ignez trabalha na direção da seqüência de “O Bandido da Luz Vermelha” intitulado “Luz nas Trevas” cujas idéias principais do roteiro foram deixadas em páginas escritas por Rogério Sganzerla antes de morrer em 2003. No principal papel feminino, o longa conta com a participação da filha da diretora com o cineasta, Djin Sganzerla, que no filme contracena com o ator André Guerreiro Lopes.
Por Daiverson Machado - dsilveiramachado@yahoo.com.br
O que você aprendeu com Rogério Sganzerla?
É incontável tudo o que eu aprendi com ele nestes 35 anos que a gente trabalhou junto, aprendi como aprendiz de cineasta e também como pessoa.
Você se considera marginal?
Não, nem por sonho, eu acho que estou bem por dentro de todo movimento da sociedade, então não sou marginal de jeito algum. E acho que o cinema que eu fiz também não é marginal, pois foi um cinema voltado à linguagem cinematográfica e também voltado para a idéia sofisticada e também popular que não tem nada de marginal.
Como tem sido colocar em prática o projeto de “Luz nas Trevas”?
Fazer um filme não é fácil e exige uma preparação grande, estamos desde 2003 e começamos de certa forma vitoriosos porque ganhamos um incentivo para o desenvolvimento do roteiro e depois também ganhamos todos os editais aqui do Estado de São Paulo. Nós filmamos, mas o que ganhamos nestes editais não é o suficiente para a finalização do filme, ele deve ficar pronto por volta de Julho.
O que podemos esperar deste filme?
Esperar um filme com um roteiro muito interessante, atores ótimos, um filme bastante vital, com esperança no próprio ser humano e também um filme que deverá circular nos festivais.
Será um trabalho autoral seu ou você vai manter a marca de Sganzerla?
É o seguinte, eu tive uma participação enorme neste roteiro porque ele não foi deixado como roteiro, foram deixadas como 9 páginas de anotações sobre o tema, sobre a possibilidade de voltar a filmar esse tema, anotações sobre todos os personagens e o roteiro foi organizado por mim com a colaboração e a interlocução de Guilherme Marback e do Beto Huckenzel, a quem eu dedico o filme. Então o filme é autoral nesse sentido, porque desde o começo ele teve uma concepção, que seria a minha concepção sobre o roteiro, já que fui eu que organizei esse roteiro. E em determinado momento eu precisava de outras forças, forças econômicas e convidei uma outra pessoa para dirigir comigo que foi o Ícaro Martins, mas desde sempre nós tivemos ótimos contatos, ele jamais descordou de nenhuma das minhas idéias e observações, ele foi superfiel interlocutor. Nós juntos na direção de set, houve muita harmonia, porque o importante era levar essas idéias que estavam contidas no roteiro para o filme, sobretudo para realizar o roteiro. Isso também de uma certa forma não é uma atitude sganzerliana, que improvisava mais, existia uma forte base de roteiro, mais as improvisações eram extremamente soltas, nesse caso do “Luz nas Trevas” não, é um filme mais convencional no sentido de não improvisar.
Porque a escolha de Ney Matogrosso para o papel principal de “Luz nas Trevas”?
A escolha veio através de indicações de minhas filhas, Paloma Rocha e Sinai Sganzerla, que me lembraram do Ney. Aí com essa lembrança, demorou poucas horas pra fortificar, eu liguei pro Ney, convidei e ele aceitou.
Eu acho que tem tudo a ver, os filmes falam de uma maneira mais impactante, é mesmo pra nova geração, esses filmes tem a força da juvenilidade, uma juvenilidade sem idade, porque de uma certa forma foi o que aconteceu com os filmes de Rogério, sempre foram inventivos e marginais nesse sentido da extrema invenção, e nesse sentido o mainstream é mais careta e preso as circunstancias. E esse cinema muito mais livre trazendo a mente, trazendo uma coisa mais nietzscheniana, mais Rimbaud, mais Oswald de Andrade, trazendo humor, trazendo a irreverência, trazendo a anarquia, então exatamente isso tem a ver com a juventude. Existe essa resposta muito grande, principalmente em relação a esses filmes que eu fiz com Rogério e também os filmes que eu fiz com Julio Bressane, que eu vejo que é a mesma coisa tanto no Brasil quanto no exterior.
Como esse cinema é visto no exterior?
No ano passado eu passei uma grande parte viajando pela Europa e também pela Índia e pela Ásia, com convites e homenagens grandes como foi a do Festival de Calcutá para o cinema de Rogério, também em Trieste na Itália no Festival de Cinema Latino Americano eu recebi uma homenagem e recebi outra com um prêmio internacional para meu filme “Canção de Baal”, também estive em Portugal já com um “work in progress” de “Luz nas Trevas”. No ano retrasado foi a mesma coisa, cheio de homenagens e mostras tanto para Rogério quanto para mim. Então de uma certa forma esse cinema está sendo redescoberto, e em todos os lugares, é a mesma gente que gosta dos filmes, são o jovens, os cinéfilos, os intelectuais que não estão satisfeitos com o status quo, que questionam, artistas de todos os tipos e de todas as idades interessados nos filmes e isso é muito legal.
O que existe de bom no atual cinema brasileiro pra você?
Tem alguns filmes que eu gosto muito, que surgem de uma maneira especial, eu poderia citar muitos, mas o cinema que me agrada realmente é o cinema experimental, eles transmitem muita impulsividade. Tem vários filmes que eu gostei esse ano.
Como você vê a sociedade atual, onde, salvo raras exceções, os artistas não trazem ousadia em seus trabalhos?
São filmes que estão para cumprir as obrigações do mercado, pertencem a uma indústria, mais já não é mais a sétima arte, não é mais a arte cinematográfica. Existe algumas pessoas que fazem cinema e que não estão mais engajadas nessa idéia, não é isso o que elas querem, mas dentro desses filmes que enchem as salas podem surgir filmes bons.
A realidade brasileira atual, seria um prato cheio para o deboche e o sarcasmo dos filmes do cinema marginal. Onde foi parar esse sarcasmo e esse deboche no cinema brasileiro atual?
Eu não sei. No “Luz nas Trevas” existe, mas também existe intrínseco no roteiro, a própria linguagem cinematográfica não existe mais, isso é praticamente impossível de fazer. No caso de “Luz nas Trevas” é um filme inserido no mercado. Então esse sarcasmo fica, mais fica de uma maneira muito menos cinematográfica do que foi feito anteriormente, no caso especifico de alguns filmes como “Sem essa aranha”, “O bandido da luz vermelha”, “A mulher de todos”, o sarcasmo e um deboche fantástico, intelectual, inteligentíssimo e ao mesmo tempo entendível por uma grande quantidade de pessoas, isso não tem mais.
De “Glamour Girl” na Bahia a musa do cinema transgressor marginal, como se deu essa transformação em
sua vida?
Como o anjo de Drummond, eu nasci para ser gauche na vida, porque desde esse período de glamour girl, ali já existia uma certa contestação, a pessoa era a mesma. Desde criança eu já sabia, não houve uma guinada. Houve um companheiro fortíssimo na minha adolescência que eu conheci aos 17 anos, a quem eu devo muito o destino que a minha vida tomou, que foi Glauber Rocha. Esse companheirismo me apontou uma coisa nova, mas ao mesmo tempo quando eu o conheci eu já tinha me matriculado na escola de teatro. A partir daí os caminhos que eu fui tomando, entre certos e errados... porque existe também certo e errado, desde que você pense como uma dicotomia, um caminho que existe com erros e acertos de qualquer maneira e que é pessoal. No caso nunca houve uma guinada nesse sentido, mas é claro que aquela menina com uma trajetória em concursos de beleza, com sucesso na alta sociedade e de repente ver aquela menina atriz de teatro, levando profundamente a sério e trabalhando também no cinema, estudando pra caramba, eu já tinha saído da sociedade baiana, já não era tão vista, porque já estava em outra área, uma área mais de arte. Pra eles era uma guinada, mas pra mim não, pra mim era como um caminho natural.
Como os filmes do cinema marginal eram vistos na época?
Nós éramos chiquérrimos, marginais chiquérrimos, marginal mesmo entre aspas era Glauber e Rogério, nós éramos bem amigos de Elyseu Visconty e de alguns atores. Então era todo mundo super elegante, chique, vivíamos viajando pela Europa, os meninos eram os dândis, os dois, tanto o Rogério Sganzerla quanto o Júlio Bressane, eu era benvestidézima, freqüentávamos os melhores lugares e nos divertíamos pra caramba, éramos convidados por todo mundo, não íamos, às vezes, não dávamos conta de tanta coisa, existia uma liberdade chique, uma coisa de F. Scott. Ftzigerald só que em uma era psicodélica e não alcoólica.
E de onde vinha o dinheiro?
O dinheiro vinha dos filmes, faziam muito sucesso, muitíssimo sucesso, “O bandido da luz vermelho” foi um grande sucesso, “A Mulher de todos” mais ainda, inúmeros prêmios, eu vivia na ponte aérea porque eu fazia cinema, teatro e televisão, então era uma loucura. O Cinema Novo estava no auge naquela época também, esses filmes estavam surgindo, era uma festa, uma grande festa no meio de uma ditadura, no meio de uma pressão política horrorosa, sem duvida a pior das épocas, porque hoje é diferente, nós temos outras perspectivas, era uma época de bombas mesmo, de terrorismo, você tinha quer ser uma fera pra lutar contra as feras. E foi aí que surgiu a Belair, que foi isso no Rio de Janeiro.
Como foi botar pra fora imagens intimas dos bastidores da Belair no seu filme, “A Miss e o Dinossauro”?
As imagens são lindas, são em Super 8, e a idéia surgiu logo após a morte de Rogério, quando eu vi aquelas imagens belíssimas, quis falar um pouco sobre elas.
Foi uma declaração de amor?
Claro. Com uma música linda que o João Gilberto tinha feito especialmente pra ele que é a “Valsa da Despedida”, o Rogério andava muito com o João Gilberto, e teve essa gravação que ele deu pro Rogério. Então foi isso, uma reunião das idéias e do pensamento dele principalmente, de como o cinema pode ser sublime, de como o cinema pode ser espiritual, o cinema espiritual não no sentido vulgar e religioso, mas no sentido do homem poder se sentir imortal.
Trailer de"Luz nas Trevas" em breve nos melhores cinemas do ramo:
Assinar:
Postagens (Atom)