Porque gay não vota em gay?
























Por CARLOS ALEXANDRE NEVES LIMA do blog http://carlosalexlima.blogspot.com/


Em ano de eleições os temas das Paradas Gays por todo Brasil tem sido, invariavelmente, no sentido de convidar a todos LGBTs terem conscientização na hora de votar.

O site da ABGLT tem divulgado a relação dos candidatos de todo país que concorrem, em 2010, às vagas de Deputado Estadual, Deputado Federal, Governador, Senador e Presidente da República que assinaram um compromisso com a instituição, que se eleitos, defenderiam os direitos LGBTs. Entre eles existem candidatos LGBTs e heterossexuais aliados.

Nas últimas eleições municipais – no ano de 2008 – de 80 candidatos a vereadores pelo Brasil, de orientação sexual LGBT, apenas 06 candidatos conseguiram se eleger, ou seja, algo em torno de 0,75%, bem distante do número de votos esperados daqueles especulados 10% da população brasileira:

BA - Léo Kret - PR - Vereadora - T

ES - Moacyr Sélia-Moa -PR - Vereadora - T

MA - José Itaparandi - PTB - Vereador - G

MG - Isaías Martins de Oliveira - PV - Vereador - T

MG - Sander Simaglio - PV - Vereador - G

SC - Tem Vilson José Porcíncula - PP - Vereador - G

Donde se extrai que o número de candidatos LGBTs é mínimo e ainda extremamente mais inferior o número daqueles que conseguiram se eleger.

Dos candidatos aliados heterossexuais se candidataram 138 pessoas, sendo que conseguiram se eleger 29, por conseguinte, mais de 21% dos candidatos.

Mesmo comparando os votos destinados aos LGBTs (0,75%) com os votos dados aos aliados heterossexuais (21,00%) revela-se uma grande diferença.

Por que gays não votam em gays?

Algumas pessoas alegam que seria em razão da ‘homofobia internalizada’. Homofobia internalizada significa que o sujeito passou pela vida apreendendo valores negativos em relação aos gays e que, ainda que se assuma, tais conceitos estão tão sedimentados que traz consigo inconscientemente estes valores, para si e para os outros que sejam igualmente gays. Portanto, é o fruto da estigmatização social, podendo se converter num ódio contra si próprio, o que, inconscientemente, resultaria que gays se sintam ‘inferiores’ e julguem como ‘menos’ também outros gays.

Não que inexista a homofobia internalizada e que não considere ela um fator que contribua para que gays não votem em gays, mas considero esta conclusão genérica uma desculpa simplista.

Não acho que a homofobia internalizada seja a principal razão pela qual gay não vota em gay.

No meu entender, se chegasse ao conhecimento de um eleitor gay que exista um candidato com estofa, conhecimento e seja bom o suficiente para lhe representar e exercer um cargo político, o gay votaria em candidato gay.

Mal ou bem, a média dos eleitores quer votar em alguém que seja “bom”, que realmente acredite e saiba que sua proposta o representará. Se existir um candidato gay que o eleitor confie que seja assim, ele será votado pelos LGBTs e, inclusive, pelos heterossexuais.

O problema vem no “mas”, e esse sempre surge...

Mas, apesar de tal desejo, culturalmente o eleitor brasileiro, inclusive os LGBTs, não se dá o trabalho de buscar um candidato que atenda as suas expectativas, dentro do perfil idealizado. Escolhe aquele que lhe vem à mão, que os dados lhes sejam facilmente fornecidos e, neste 'reduzido universo', exista alguma empatia. A falta de esforço para escolher candidatos faz com que seja suficiente para eleger aquele minimamente conhecido pelo mesmo.

O candidato que ouvimos suas posições pela televisão, rádio ou outro veículo qualquer, o político que aparece mais na mídia, possuir mais propagandas ou mesmo que mais se ouvir falar no trabalho, residência ou lazer acabam ganhando, por falta de outra opção, o voto “consciente” do eleitor.

Não foi difícil eleger a Deputado Federal, nas últimas eleições em São Paulo, Clodovil, apesar de gay. Aliás, provavelmente seu eleitorado foi quase por unanimidade heterossexual. Os seus eleitores certamente adoravam suas críticas ácidas em seu programa de televisão. Isto bastava para a identificação e o voto. O eleitor conhecia e gostava daquilo que o candidato representava para ele. O mesmo ocorrerá com jogadores de futebol e outros que a mídia sempre dá destaque. E este voto, mesmo que muitos estejam esperneando, será tido como ‘consciente’, pois o eleitor do tal jogador é um leitor e expectador de tudo aquilo que o mesmo fala, além disto, ele não conhece a maioria dos outros candidatos.

Não é à toa que o eleitorado brasileiro aplaude de pé a ‘Ficha Limpa’. Ele quer o candidato limpo, só não deseja ter que procurar quem o seja.

Se de um lado o eleitor não busca a cartela de candidatos existentes com todos os seus dados e qualificações para escolher democraticamente aquele que realmente seja o seu “melhor”, por outro lado, aqui especialmente falando dos LGBT, estes candidatos também não conseguem realmente se fazer anunciar para os seus potenciais eleitores.

As ONGs LGBTs locais deveriam servir de ponte, mas mesmo elas possuem um número absurdamente ínfimo de associados.

As Paradas Gays, apesar de alguns esforços para tentar levar a conscientização política, representam antes de qualquer coisa, no imaginário daqueles lgbts que as frequentam, uma grande festa. Nem gosto de imaginar em qual colocação de importância estaria a política para aquelas milhões de pessoas que estão presentes a Parada Gay de São Paulo, por exemplo.

No Rio de Janeiro nem há esta preocupação. A coordenação da Parada Gay no Rio resolveu transferir a Parada para após as eleições e é, diga-se de passagem, o local onde possui como candidato ao Senado Federal um dos maiores inimigos dos direitos LGBTs de todo o país, Marcelo Crivella.

É fácil constatar a razão pela qual o casamento homossexual foi aprovado na Argentina. Lá, diferente daqui, houve um grande levante participativo. Inúmeros vídeos, campanhas publicitárias com apoio de artistas famosos, esclarecimentos públicos que os conduziram a conscientização, a mobilização popular e aprovação da lei.

Na minha modesta forma de pensar a razão pela qual gay não vota em gay nas eleições ocorre, principalmente, por falta do imprescindível acesso à informação, com real divulgação junto ao público LGBT, fora dos muros da minguada militância.

A própria página da ABGLT, única a informar candidatos comprometidos com a causa, reforça esse hábito ignorante do eleitor brasileiro. Lá não possui o curriculo do candidato, apenas se é lgbt ou aliado. O LGBT infelizmente que não deseja pesquisar sobre o candidato, e apesar da sua preguiça, dificilmente votará em algum candidato apenas por conta da sua orientação sexual. Entre um candidato heterossexual de quem ouviu alguma coisa e um ilustre desconhecido LGBT, a tendência será votar naquele que possui alguma referência, ainda que seja absolutamente rasa.

Os LGBTs, até pela necessidade, precisam amadurecer a importância da cidadania e aprenderem, ainda que antes da sociedade em geral, a ultrapassar os costumes culturais, já enraizados, que os tornam inertes.

Mas mesmo sem desconsiderar a péssima cultura do eleitor brasileiro de não buscar essas informações e apesar de algumas ações pontuais, as Associações LGBTs têm sido absolutamente incompetentes. São partidárias quando jamais deveriam ser e se colocam propositalmente inacessíveis ao LGBT “não militante”, para manter sempre os mesmos no ‘pseudo poder’. Não se dão ao trabalho para atingir e efetivamente impulsionar a população de lésbicas, gays, bissexuais e transexuais. Essas associações esqueceram que não se bastam ou preferem qua assim seja por razões que não atendem as verdadeiras prioridades da população LGBT.

O medo da fêmea diante da balança por Xico Sá







































Você, amigo, sai com a pequena e ela só belisca, qual um passarinho, uns saudáveis farelos ou engole umas folhinhas sem graça. Que desgosto. Você caprichou na escolha do restaurante, acordou com água na boca por um prato que só você sabe onde encontrá-lo, quer fazer uma presença, fazer bonito com a cria da sua costela.
 Que desgosto, a gazela mira o ambiente com “nojinho”, de tão fresca. Uma estraga-prazeres, eclipse de um belo sabadão ensolarado.
 Ah, nada mais bonito do que uma mulher que come bem, com gosto, paladar nas alturas, lindamente derramada sobre um prato de comida, comida com sustança. Os olhinhos brilham, a prosa desliza entre a língua, os dentes, sonhos, o céu da boca. Ela toma uma caipirinha, a gente desce mais uma, sábado à tarde, nossa doce vida, nossos planos, mesmo na velha medida do possível.
Pior é que não é mais tão fácil assim encontrar esse tipo de criatura. Como ficou chato esse mundo em que a maioria das mulheres não come mais com gosto, talher firme entre os dedos finos, mãos feitas sob medida para um banquete nada platônico.
 Época chata essa. As mulheres não comem mais, ou, no mínimo, dão um trabalho desgraçado para engolir, na nossa companhia, alguma folhinha pálida de alface. E haja saladinha sem gosto, e dá-lhe rúcula!
A gente não sabe mais o que vem a ser o prazer de observar a amada degustando, quase de forma desesperada, um cozido, uma moqueca, uma feijoada completa, uma galinha à cabidela, massa, um chambaril, um sarapatel, um cuscuz marroquino/nordestino, um cabrito, um ossobuco, um bife à milanesa, um tutu na decência, mocotó, um baião de dois, uma costela no bafo, abafa o caso!
Foi embora aquela felicidade demonstrada por Clark Gable no filme ''Os Desajustados'', quando ele observa, morto de feliz, Marilyn Monroe devorando um prato de operário. E elogia a atitude da moça, loa bem merecida.
Além do prazer de vê-las comendo, pesquisas recentes mostram que as mulheres com taxas baixíssimas de colesterol costumam ser mais nervosas, dão mais trabalho em casa ou na rua, barraco à vista, intermináveis discussões de relação... Nada mais oportuno para convencê-las a voltar a comer, reiniciá-las nesse crime perfeito.
Moças de todas as geografias afetivas e gastronômicas, aos acarajés, às fogazzas, aos pastéis, aos cabritos assados e cozidos, ao  sanduíche de mortadela, à dobradinha à moda do Porto, ao lombo -de lamber os lábios!-, ao churrasco de domingo para orgulho do cunhado que capricha na carne e sabe a arte de gelar uma cerva. E aquela fava, meu Deus, com charque, enquanto derrete a manteiga de garrafa, último tango do agreste.
O importante é reabrir o apetite das moças, pois, repito, senhoras e senhores, o velhíssimo mantra: homem que é homem não sabe sequer -nem procura saber- a diferença entre estria e celulite.
Até a próxima e desejo a todas as mulheres um final de semana com  muita gula e todos os pecados capitais possíveis. Sem culpa, meninas!

Fidel Castro sai do armário





























«A própria beleza é perigosa em si, conflituosa para toda ditadura, porque implica um âmbito que vai além dos limites em que essa ditadura submete os seres humanos; é um território que escapa ao controle da polícia política e onde, portanto, não pode reinar. Por isso mesmo, irrita todos os ditadores, que querem destruí-la de qualquer maneira. A beleza sob um sistema ditatorial é sempre dissidente, porque toda ditadura é por si mesma antiestética, grotesca; praticá-la representa, para o ditador e seus agentes, uma atitude escapista ou reacionária.»  Reinaldo Arenas (1943-1990), escritor cubano

Numa entrevista publicada no último 31 de agosto no jornal on-line «La Jornada», o ditador cubano Fidel Castro assumiu que houve perseguição estatal a homossexuais, sendo que muitos foram para prisões e campos de concentração. Grande novidade! Tudo isso já foi mais que documentado e testemunhado pelos milhares de homossexuais cubanos exilados, como foi o caso do escritor Reinaldo Arenas.

E se não bastasse, muitos militantes da esquerda folclórica estão bajulando o monstro das Antilhas, ao dizer que foi corajoso. Não acredito nas palavras desse senhor. Um inimigo do seu povo, um oportunista que se manteve 49 anos no poder e levou seu país para uma ditadura igual ou pior que a antecessora. E tem gente que diz que os cubanos mais ganharam que perderam com os irmãos Castro...

Diga-se de passagem, há um erro na declaração do senhor Fidel Castro. Não foi somente nas décadas de 1960 e 1970 que o governo cubano perseguiu homossexuais. Como Reinaldo Arenas deixou registrado em «Antes que anochezca», no início dos anos 1980 Fidel Castro queria ficar livre dos degenerados (escritores, artistas, prostitutas, homossexuais). O episódio ficou conhecido como «marielitos». Um adendo: uma equipe formada por psicólogos fazia testes bizarros para descobrir se o sujeito de fato era gay, seja pela vestimenta, forma de andar, ou até preferência sexual – se disse que era exclusivamente ativo nas suas relações sexuais, poderia ter seu pedido negado.

E o «excelentíssimo» caribenho faz caras e bocas e pede perdão pelos crimes contra a humanidade e quer ficar por isso mesmo. É um otário! Um mísero pedido de perdão não trará de volta os milhares de LGBTs que foram assassinados ou se mataram, por não suportar tanto sofrimento. Acrescenta-se ainda o fato de o mesmo chefe de Estado empurrar parte de seus compatriotas para o exílio. É lema «Cuba: ame-a ou deixe-a». Parece algo familiar?

O Grupo Gay da Bahia acionará Fidel Castro no tribunal de Haia pelos crimes cometidos contra LGBTs. Boa tentativa, embora acredite que acabará em pizza mesmo. Primeiro, porque a ONU é uma instituição inservível, que mais prestou desserviço do que benefício à humanidade. Veja os últimos 20 anos: os conflitos em Ruanda, os massacres na Bósnia, o terrorismo, a guerra do Iraque, a AIDS (ou SIDA), os empréstimos financeiros a governos ditatoriais e corruptos... Nada se compara as macaquices de tal organização. Sou cético ainda, pois acredito que a Corte Internacional de [in]Justiça é comandada por um bando de bundões (desculpe, caros leitor e leitora) que não têm a audácia de julgar um ditador que é paparicado por parte da intelectualidade terceiro-mundista.

E Fidel Castro não cometeu crimes somente contra LGBTs, mas contra a humanidade. Como dizem, malandro às vezes fala a verdade. Só falta agora o digníssimo soberano das Caraíbas assumir as milhares de vidas humanas ceifadas pela Revolução Cubana. Terá Fidel Castro tamanha hombridade?

Texto extraido do blog http://qlibertarios.blogspot.com

Aquela criança de sempre - Reinaldo Arenas







































Sou esse menino desagradável,
sem dúvida inoportuno,
de cara redonda e suja,
que fica nos faróis,
onde as grandes damas tão bem iluminadas,
ou onde as meninas que parecem levitar,
projetam o insulto de suas caras redondas e sujas.

Sou uma criança solitária,
que o insulta como uma criança solitária,
e o avisa:
se por hipocrisia você tocar na minha cabeça,
aproveitarei a chance para roubar-lhe a carteira.

Sou aquela criança de sempre,
que provoca terror,
por iminente lepra,
iminentes pulgas, ofensas,
demônios e crime iminente.

Sou aquela criança repugnante,
que improvisa uma cama de papelão
E espera, na certeza,
que você me acompanhará.

A urgência da democratização das comunicações no país

Por Ivan Valente

Retirado do programa da candidata do governo aquilo que a imprensa considerou “prática de censura” ou um “atentado à democracia” brasileira, a pauta das comunicações simplesmente desapareceu da cobertura da imprensa neste processo eleitoral. Nenhuma linha sobre políticas públicas sobre o setor, sobre novas leis para regular o mercado, nenhum questionando aos candidatos que disputam a liderança nas pesquisas sobre seu compromisso com avanços nesta área – seja do acesso à banda larga aos critérios para a distribuição da verba publicitária do Poder Executivos.

Esta postura dos grandes meios de comunicação não é nenhuma novidade, mas não deixa de ser lamentável. Historicamente, as decisões sobre a mídia em nosso país foram tomadas sem a participação democrática da sociedade, em grande parte porque a população sequer é informada sobre este seu direito. Nem durante as eleições. Um dos resultados é um cenário de grande concentração da propriedade dos meios e pouca pluralidade e diversidade na mídia. São pouquíssimas vozes falando e milhões ouvindo.

Mas o momento eleitoral é fundamental para pautar na sociedade brasileira a necessidade de mudanças no sistema de comunicações no país. Uma delas é a urgência de um novo marco legislativo para o setor, que passe pela regulamentação dos artigos da Constituição Federal que tratam do tema. Entre eles, o artigo 220, que proíbe o monopólio das comunicações no país. Para contribuir com esta discussão, nosso mandato apresentou no ano passado um Projeto de Lei que proíbe a propriedade cruzada dos meios de comunicação, de forma a limitar de forma horizontal e vertical a propriedade das empresas que atuam na cadeia produtiva da mídia brasileira.

É do PSOL também a Ação Direta de Inconstitucionalidade movida contra o Decreto 5.820/2006, que instituiu o Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD), que apesar de derrubada pelos ministros do STF, foi considerada procedente pela Procuradoria Geral da República. A PGR, como nós, entendeu que a transmissão em sinal digital deveria ser considerada um serviço diferente da transmissão analógica, para o qual seria necessário, portanto, a abertura de um novo processo de concessão de outorgas. Tal processo deveria então passar também pelo Poder Legislativo, o que foi ignorado pelo Decreto 5820. E mais: ao definir para o país um sistema que privilegia a transmissão em alta definição, o decreto jogou fora a possibilidade de ampliar o número de canais na televisão aberta, permitindo, por exemplo, que os canais públicos encontrassem espaço no espectro já congestionado de cidades como Rio de Janeiro e São Paulo.

O novo modelo institucional também deve afirmar o direito à comunicação como um dos pilares de uma sociedade democrática. É urgente garantir o direito de todas as pessoas de ter acesso aos meios de produção e veiculação de informação, de possuir condições técnicas e materiais para ouvir e ser ouvidas e de ter o conhecimento necessário para estabelecer uma relação autônoma e independente frente aos meios de comunicação. E a garantia deste direito é dever do Estado, que tem a responsabilidade de assegurar sua promoção.

O processo eleitoral é um espaço privilegiado para a afirmação desses princípios e deveres e, conseqüentemente, uma oportunidade para o avanço da luta pela democratização da mídia e pela ampliação da participação popular na construção das políticas públicas de comunicação. Tudo isso sem temer conflitos com aqueles que historicamente ajudaram a consolidar o vergonhoso monopólio característico do setor e que, durante o último governo, tiveram seus privilégios intocados.

Numa entrevista ao programa Roda Viva, o então ministro das Comunicações Hélio Costa, reafirmou, por exemplo, a resistência do governo federal à institucionalização de mecanismos de controle social das comunicações. Tema caro e reivindicação histórica daqueles que lutam pela democratização da mídia, o controle social é afirmado como ameaça à liberdade de expressão das empresas – as mesmas que, historicamente, são responsáveis para que a voz dos excluídos jamais seja ouvida no debate público.

É preciso afirmar que não são as empresas de comunicação que têm sua liberdade ameaçada, e sim os movimentos populares que querem a transformação do país. Em São Paulo, todos os meses vemos lideranças do movimento de rádios comunitárias criminalizadas e emissoras populares, caladas. Em alguns casos, a Polícia Civil do governo tucano de São Paulo – que sequer tem prerrogativa para atuar neste campo – tem participado de ações de fechamento das rádios. É mais uma prova da truculência com que o Estado brasileiro, em todas as suas esferas, ainda trata defensores da real liberdade de expressão.

Esperamos ainda que estas eleições apontem para uma mudança no perfil dos parlamentares do Congresso Nacional. Não basta apenas garantir a reeleição daqueles que são comprometidos com a luta pela democratização das comunicações – tão bem lembrados pela Caros Amigos em sua edição especial sobre as eleições. Será preciso impedir que aqueles que, atendendo a interesses particulares, sejam reconduzidos ao Congresso e sigam fazendo das concessões de rádio e televisão uma moeda de troca de favores políticos, e da nossa comunicação uma mercadoria a ser negociada por aqueles que detêm o poder político e econômico no país.

A gravidade desta situação é enorme. Um estudo do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília revelou que 37,5% dos membros titulares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara e 47% dos titulares da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado são proprietários de emissoras de Rádio e TV ou têm familiares controladores destes tipos de veículos de comunicação. Levantamento feito pelo Professor Venício Lima também analisou a presença de parlamentares radiodifusores nas comissões e sua atuação em causa própria nos anos de 2003 e 2004, e detectou que deputados participaram e votaram favoravelmente nas renovações de suas próprias concessões.

Esta prática precisa acabar. Um dos maiores desafios na luta por um Estado democrático e para a realização plena de uma sociedade justa, sem opressões, é o resgate do ambiente da mídia como espaço público, desprivatizando-o mediante a inclusão progressiva de todos os atores sociais. Que a escolha feita pelo eleitor no próximo dia 3 de outubro crie as condições para um processo real de transformação neste campo, que dê voz ao nosso povo e força à nossa democracia.

Ode à Salvador Dalí - Frederico Garcia Lorca

























Uma rosa no alto do jardim que tu desejas.
Uma roda na pura sintaxe do aço.
Desnuda a montanha de névoa impressionista.
Os grises observando suas balaustras ultimas.

Os pintores modernos, em seus brandos estúdios,
cortam a flor asséptica da raiz quadrada.
Nas águas do Sena um iceberg de mármore
esfria as janelas e dissipa as eras.

O homem pisa forte nas ruas lajeadas.
Os cristais se esquivam da magia e do reflexo.
O governo fechou as lojas de perfume.
A máquina eterniza seus compassos binários.

Uma ausência de bosques, biombos e sobrecenhos
erra pelos telhados das casas antigas.
O ar pule seu prisma sobre o mar
e o horizonte sobe como um grande aqueduto.

Marinheiros que ignoram o vinho e a penumbra
decapitam sereias nos mares de chumbo.
A Noite, negra estátua da prudência, tem
o espelho redondo d lua em sua mão.

Um desejo de formas e limite arrebatada.
Vem o homem que olha com o metro amarelo.
Vênus é uma branca natureza morta
e os colecionadores de mariposas fogem.

***

Cadaqués, no fiel da água e da colina,
eleva escalinatas e oculta caracóis.
As flautas de madeira pacificam o ar.
Um velho Deus silvestre dá frutas aos meninos.

Seus pescadores dormem, sem sonho, na areia.
Em alto-mar lhes serve de bússola uma rosa.
O horizonte virgem de lencinhos feridos
junta os grandes vidros do peixe e da lua.

Uma dura coroa de brancos bergantins
cinge frontes amargas e cabelos de areia.
As sereias convencem, mas não sugestionam,
e saem mostrando um copo de água doce.

***

Alma higiênica, vives sobre marmores novos.
Foges à escura selva de formas incríveis.
Tua fantasia chega onde chegam tuas mãos,
e gozas o soneto do mar em tua janela.

O mundo tem surdas penumbras e desordem,
nos primeiros términos que o humano frequenta
Porém já as estrelas ocultando paisagens
assinalam o esquema perfeito de suas órbitas.

A corrente do tempo se remansa e se ordena
nas formas numéricas de um século e outro século.
E a Morte vencida se refugia tremendo
no circúloestreito do minuto presente.

Ao pegar tua palheta, com um tiro em uma asa,
pedes a luz que anima a copa da oliveira.
Larga luz de Minerva, construtora de andaimes,
onde não cabe o sonho nem sua flora inexata.

Pedes a luz antiga que fique na frente,
sem baixar a boca nem o coração do homem.
Lua que temem as vides estranháveis de Baco
e a força sem ordem que leva a água curva.

Fazes bem em pôr bandeirolas de aviso,
no limite escuro que relumbra a noite.
Como pintor não queres que te abrande a forma
o algodão cambiante de uma nuvem imprevista.

O peixe no aquário e o pássaro na gaiola.
Não queres inventa-lo no mar ou no vento.
Estilizas ou copias depois de ter olhado
com honestas pupilas seus corpinhos ágeis.

Amas uma máteria definida e exata
onde o fungo não possa armar acampamento.
Amas a arquitetura que constrói no ausente
e admites a bandeira como uma simples pilhéira.

Diz o compasso de aço seu curto verso elástico.
Desconhecidas ilhas já a esfera.
Diz a linha reata seu vertical esforço
e os sábios cristais cantam suas geometrias.

***

Mas também a rosa do jardim onde vives.
Sempre a rosa, sempre, norte e sul de nós!
Tranquila e concentrada como uma estátua cega,
ignorante de esforços soterrados que causa.

Rosa pura que limpa de artifícios e esboços
e nos abre as asas tênues do sorriso.
(Mariposa pregada que medita seu vôo.)
Rosa do equilíbrio sem dores buscadas.
Sempre a rosa!

***

Oh! Salvador Dalí, de voz azeitonada!
Digo o que me dizem a tua pessoa e teus quadros.
Não te louvo o imperfeito pincel adolescente,
mas canto a firme direção das tuas flechas.

Canto teu belo esforço pelas luzes catalãs,
teu amor ao que tem explicação possível.
Canto teu coração astronômico e terno,
de baralha francesa e sem nenhuma ferida.

Canto a ânsia de estátua que seus personagens sem trégua,
o medo à emoção que te aguarda na rua.
Canto a sereiazinha do mar que te canta
montada na bicicleta de corais e conchas.

Mas antes de tudo canto um comum pensamento
que nos une nas horas escuras e douradas.
Não a Arte a luz que nos cega os olhos.
É primeiro o amor, a amizade e a esgrima.

É primeiro o quadro que paciente desenhas
o seio de Tereza, a de cútis insone,
o apertado cacho de Matilde, a ingrata,
nossa amizade pintada como um jogo de oca.

Sinais datilográficos de sangue sobre o ouro
risquem o coração da Catalunha eterna.
Estrelas como punhos sem falcão te relumbram,
enquanto tua pintura e tua vida florescem.

Não olhes a clepsidra com asas membranosas,
nem a dura gadanha das alegorias.
Veste e desnuda sempre o teu pincel no ar,
ante o mar povoado com barcos e marinheiros.

Um uivo em memória de Reinaldo Arenas - Caio Fernando Abreu

























Acaba de ser lançado no Brasil um dos livros mais belos que conheço: Antes que anoiteça (Editora Record), autobiografia do cubano Reinaldo Arenas. “Belo” não seria o adjetivo exato. Pungente talvez, pois comove e rasga. Destemido, dilacerado, desesperado e sobretudo vivo de vida pulsante, sangrenta. Em chagas, tão impudicamente exposto. Mas adjetivos pouco importam. Importa o livro, a vida crua que ele revela.
Encontrei Reinaldo numa madrugada de novembro de 1992 em Saint-Nazaire, cidade francesa entre Nantes e Brest, exatamente onde o rio Loire chega ao mar, fronteira sul da Bretanha. Aparentemente anódina, sinistrée durante a Segunda Guerra (numa noite, restaram cinco mil dos 8o mil habitantes), depois reconstruída pelos americanos, Saint-Nazaire é, contudo, mágica a ponto de ter um dólmen druídico na praça central. Num décimo segundo andar, a prefeitura socialista e a editora Arcane 17 mantêm a Maison des Écrivains Étrangers, que oferece bolsas a escritores do mundo todo durante dois ou três meses, para que deixem um livro à memória da cidade. Por lá passaram o argentino Ricardo Piglia, o búlgaro Victor Paskov, o espanhol Luis Goytisolo e pelo menos mais uns 20 checos, escandinavos, chineses. Nesse tempo de que falo, por partes de minha tradutora Claire Cayron, era eu o hóspede.
Foi numa noite de tempestade, loucas gaivotas batiam-se contra as vidraças do terraço. Insone fiquei lendo Méditations de Saint -Nazaire, de Arenas, que só vagamente conhecia (Celestino antes dei alba, El mundo alucinante). Impressionado com o texto, decorei suas últimas palavras: “Aún nossie ete El sitio dondeyo puedavivir. Talvez para um desterrado — como la palabra lo indica — no hayasitio en la Tíerra. Sólo quiera pedirle a ete cielo resplandecientey a este mar, que poruno días aúnpodré contemplar, que acojan mi terror”. Repeti feito oração, e dormi. Acordei ouvindo o ruído da máquina de escrever do escritório. Fui até o corredor, espiei. Em frente à janela, um homem moreno contemplava a tempestade enquanto escrevia. Parecia chorar. Estremeci, ele desapareceu. Tô pirando, pensei. E voltei a dormir.
Pela manhã contei a história a Christian Bouthemy, poeta e editor da Arcane 17. Descrevi o homem. Parece Reinaldo Arenas, ele lembrou, que ficara por lá apenas uma semana da temporada de dois meses. Estava com aids, tinha medo de se jogar pela janela. Preferiu voltar a Nova York e suicidar-se com uma overdose de barbitúricos e álcool, depois de concluir sua autobiografia, este Antes que anoiteça. Consegui o livro em francês e em Paris, num quartinho alugado com Dominique Bach, produtora da cantora cabo-verdiana Cesária Évora, durante um fevereiro gelado, no coração da barra pesada de Château d’Eau, mastiguei suas últimas palavras como se fossem cacos de vidro. Não suportava ler, nem conseguia parar. Jamais sofri tanto com um livro — nem mesmo Fome, de Knut Hamsum, ou A morte de Ivan Ilitch, de Tolstói.
Leiam também vocês se não têm medo da dor e da verdade. Censurado, perseguido e preso em Cuba por homossexualismo, Arenas fugiu para Miami, primeira estação do seu calvário de solidão e exílio, dedicando-se a desmascarar figurões tipo García Márquez, Severo Sarduy, Eduardo Galeano, Julio Cortázar e outros asseclas de Fidel Castro, que odiava. Livra a cara de pouco — Lezama Lima e Virgilio Piuiera, malditos (e grandes) como ele. Transbordava amor: à vida, aos rapazes, à literatura.
Voltando ao Brasil, tentei traduzi-lo. Ninguém quis. Muito deprimente, diziam, pouco comercial. Mas como o Deus das Laikas (e Arenas foi a maior de todas) tarda mas não falha, saiu agora. Leiam. Pelo bravo homem que ele foi, e também para aprender a valorizar o que se tem, mas não se preza. Depois uivem para o infinito em memória desse cubano lindo, desventurado, heróico.
Requiem scat in pace, hermoso compafíero.

O Estado de S Paulo, 27/11/1994