A coluna "Vale a Pena" deste domingo do jornal "Tribuna de Minas" teve como personagem um dos idealizadores do Cineclube Bordel sem ParedeS, Wesley Conrado que falou um pouco do seu amor por cinema e da motivação de se criar um cineclube, além de falar de seus gostos culturais.
O sonho do cinema
“Trabalho como cozinheiro profissional, mas a minha verdadeira paixão é o cinema”, diz Wesley Conrado, 25 anos, idealizador do CineClube, em atividade no Anfiteatro João Carriço da Funalfa. “Sempre tive vontade de começar um projeto no qual pessoas interessadas em cinema pudessem ter acesso a filmes fora do circuito comercial”, explica o paranaense que trocou Joinville por Juiz de Fora no início do ano. Atualmente, o CineClube oferece à população sessões dedicadas aos primeiros filmes realizados pelo cineasta espanhol Pedro Almodóvar.
Para Wesley, o ramo da gastronomia serve como um ganha-pão, enquanto não consegue fazer da sétima arte seu meio profissional. “Mal vejo a hora de poder viver completamente para o cinema”, diz o aspirante a roteirista. “Acho o roteiro a parte mais importante de um filme, além de ser a que mais me desperta curiosidade.” Nas horas livres, Conrado, que trabalha no restaurante Til quatro dias na semana, aproveita para conferir as sessões promocionais oferecidas pelos cinemas da cidade e se dedicar a uma outra grande paixão: a leitura.
Filme
“Rocky horror picture show”, de Jim Sharman
“É um filme totalmente contra a caretice. É tudo o que eu queria ser”
Diretor
Lars von Trier
“Os filmes dele são profundos, sempre estão ligados a filosofia, psicologia, sociologia”
Atriz
Helena Ignez e Maria Gladys
“Musas do cinema brasileiro dito marginal”
Livro
“Esculpir o tempo”, de Andrei Tarkovski
“Ele mudou a forma como eu vejo a sétima arte, ao mostrar no livro todo o conhecimento acumulado durante sua carreira como cineasta”
CD
“Our map to the Monster Olimpics”, da banda Kira Kira
“É de uma banda islandesa que conheci este ano. Eles fazem um som sensível, sutil”
Exposição
“Paris no Cinema”, em cartaz no Espaço Cultural dos Correios
“Na exposição, eles estão exibindo filmes ótimos e raros”
Labirinto de Paixões
Foi um sucesso a exibição do primeiro filme de Pedro Almodóvar "Pepi, Luci, Bom" na noite de ontem. A sala teve lotação máxima e muitas pessoas que tiveram que se sentar no chão. Nós que estamos a frente deste projeto, ficamos muito felizes de ver a aceitação do público super interessante e diversificado.
Na próxima quarta-feira será exibido "Labirinto de Paixões", um dos filmes menos conhecidos de Almodóvar no Brasil e, ao mesmo tempo, um de seus trabalhos mais engraçados, misturando elementos do melodrama mais desbragado com situações de humor quase escatológico
"Labirinto de Paixões" é o segundo longa-metragem dirigido por Pedro Almodóvar. Realizado em 1982, o filme é um típico produto da chamada Movida Madrileña, movimento de renovação cultural que sacudiu a Espanha após os duros anos da ditadura Franco.
Madrid, anos 80. Uma cidade incômoda, selvagem e divertida. Nela acontece uma historia de amor incomum entre uma joven ninfomaníaca e o filho de um imperador árabe. Ela, membro de um violento grupo musical, e ele, preocupado em se manter escondido de terroristas de seu país de origem, são o fio condutor de uma série de relações entre os personagens mais díspares que se pode encontrar. Música, violencia verbal, perseguições, paixão, sexo... e acima de tudo, o amor e suas dificuldades.
"Labirinto de Paixões" Quarta-feira 01/09 - 19 horas na Videoteca João Carriço
Entrevista Exclusiva com Marcelo Adnet
Marcelo Adnet faz parte de uma nova geração responsável por trazer ao humor brasileiro sacadas inteligentes com um modo único de fazer graça com o cotidiano. O ator chegou a MTV em 2008, com participações esporádicas no Quinta Categoria. Dali, ele ganhou seu próprio programa, o 15 Minutos, onde fala de tudo um pouco com uma dose de improviso e muito bom humor. Comprometido com o teatro carioca – há cinco anos ele faz parte do Z.E (Zenas Emprovisadas), o humorista se apresenta em Juiz de Fora no dia 28 de Setembro no Cine Theatro Central ondevai apresentar suas melhores imitações de personalidades como Cid Moreira, Silvio Santos, Pedro Bial, José Wilker e Dinho Ouro Preto.
Por Daiverson Machado - dsilveiramachado@yahoo.com.br
Você tem dificuldade quando quer ser levado a sério?
Alguma. Mas logo percebem que estou falando sério pelo calor da minha opinião.
Sua imagem meio que se mistura com o personagem que vemos na TV. Onde começa o personagem e onde começa a pessoa Marcelo Adnet?
Não sei. Teoria nunca foi meu forte.
As pessoas têm medo de serem zoadas por você?
Será: Acho que não. Num pego muito pesado não. Mas talvez alguns que tem rabo preso podem ficar tensos.
No “15 minutos”, você ensaia ou é tudo natural?
Rola uma seleção de emails. Fora isso, acontece tudo na hora mesmo.
Já fez ou tem vontade de fazer papéis sérios, dramáticos?
Já fiz sim. E é difícil pra mim. Mas quero encarar esse desafio de cabeça daqui a um tempo.
Fale-me o que você gosta de ouvir, assistir e ler.
Assistir filmes em geral, ouvir musica brasileira e caribenha e ler jornal.
O que podemos esperar da sua apresentação em Juiz de Fora?
Eu vou estar super animado e querendo muito fazer um show decente pra plateia, que merece!
Por Daiverson Machado - dsilveiramachado@yahoo.com.br
Você tem dificuldade quando quer ser levado a sério?
Alguma. Mas logo percebem que estou falando sério pelo calor da minha opinião.
Sua imagem meio que se mistura com o personagem que vemos na TV. Onde começa o personagem e onde começa a pessoa Marcelo Adnet?
Não sei. Teoria nunca foi meu forte.
As pessoas têm medo de serem zoadas por você?
Será: Acho que não. Num pego muito pesado não. Mas talvez alguns que tem rabo preso podem ficar tensos.
No “15 minutos”, você ensaia ou é tudo natural?
Rola uma seleção de emails. Fora isso, acontece tudo na hora mesmo.
Já fez ou tem vontade de fazer papéis sérios, dramáticos?
Já fiz sim. E é difícil pra mim. Mas quero encarar esse desafio de cabeça daqui a um tempo.
Fale-me o que você gosta de ouvir, assistir e ler.
Assistir filmes em geral, ouvir musica brasileira e caribenha e ler jornal.
O que podemos esperar da sua apresentação em Juiz de Fora?
Eu vou estar super animado e querendo muito fazer um show decente pra plateia, que merece!
Mário Faustino por Fabrício Carpinejar
Há a tentação de apontar as estruturas clássicas do verso como sinônimo de conservadorismo e anacronismo. Uma noção vestibulanda de que estrofes e rimas pertencem a uma ourivesaria inútil. O novo residiria no poema visual, no haicai e no verso livre.
As aparências enganam. Dois dos poetas brasileiros mais populares, Mario Quintana e Vinicius de Moraes, foram hábeis sonetistas. Talvez seja um argumento pertinente para revisitar Mário Faustino, que privilegiou a renovação do antigo mais do que a inovação pela ruptura. Cultivou formas consagradas numa postura combativa, de crítico dentro da própria criação.
Natural de Teresina (PI), morreu precocemente em 1962, aos 32 anos, num desastre aéreo. Em sua trajetória curta, transformou a crítica literária com uma página semanal no Jornal do Brasil, atormentando o compadrio elogioso entre os amigos e enfrentando figurões do porte de Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade. Como tradutor, sincronizou o horário brasileiro com os relógios poéticos da Europa e dos Estados Unidos ao verter Charles Baudelaire, T. S. Eliot, Ezra Pound, Arthur Rimbaud e Paul Verlaine.
Lançou um único livro de poesia em vida, O Homem e Sua Hora (1955), que a Companhia das Letras acaba de reeditar, numa versão de bolso. Embora não tenha estabelecido um jeito original de versejar, desempenhou um papel decisivo e aglutinador. Representou uma figura de apoio entre duas pontas até então inconciliáveis: a tradição e a transgressão. Permitiu, assim, o surgimento do concretismo e a subsequente valorização da recriação na tradução. Assumiu uma condição ambivalente de vanguarda na crítica e retaguarda na poesia com o lema "repetir para aprender, criar para renovar".
Cantou como um barítono, extremamente alusivo, esbanjando aliterações e jogos sonoros. "Agora o bandoleiro brada e atira/ Jorros de luz na fuga de meus dias -/ E mudo sou para cantar-te, amigo,/ O reino, a lenda, a glória desse dia". Ressuscitou uma verve classicista, fundada em Virgilio e Dante Alighieri, com um mergulho intransigente na mitologia e na metalinguagem. Também adotou o tom imperativo e severo dos profetas bíblicos, de censura e ameaça. Não ficou com medo de Deus, apesar da tônica marxista-realista dominante da época. Alternou em seus versos símbolos do cristianismo (como sarça, peixes, serpente e sudário) e transfigurou os temas mais prosaicos em conflitos subjetivos e atemporais.
Não encontraremos nele o deboche, a ironia, os trocadilhos e a distensão modernista, mas um estado elevado de transe metafórico, de limpidez lírica. Desafiando a linguagem e revelando certa adoração pela morte, Faustino exibiu a luminosidade intensa e breve de um cometa.
Fabrício Carpinejar é poeta e cronista, autor do livro
www.twitter.com/carpinejar.
ROMANCE
Para as Festas da Agonia
Vi-te chegar, como havia
Sonhando já que chegasses:
Vinha teu vulto tão belo
Em teu cavalo amarelo,
Anjo meu, que, se me amasses,
Em teu cavalo eu partira
Sem saudade, pena, ou ira;
Teu cavalo, que amarraras
Ao tronco de minha glória
E pastava-me a memória
Feno de ouro, gramas raras.
Era tão cálido o peito
Angélico, onde meu leito
Me deixaste então fazer,
Que pude esquecer a cor
Dos olhos da Vida e a dor
Que o Sono vinha trazer.
Tão celeste foi a Festa,
Tão fino o Anjo, e a Besta
Onde montei tão serena,
Que posso, Damas, dizer-vos
E a vós, Senhores, tão servos
De outra Festa mais terrena
Não morri de mala sorte,
Morri de amor pela Morte.
O SOM DESTA PAIXÃO ESGOTA A SEIVA
O som desta paixão esgota a seiva
Que ferve ao pé do torso; abole o gesto
De amor que suscitava torre e gruta,
Espada e chaga à luz do olhar blasfemo;
O som desta paixão expulsa a cor
Dos lábios da alegria e corta o passo
Ao gamo da aventura que fugia;
O som desta paixão desmente o verbo
Mais santo e mais preciso e enxuga a lágrima
Ao rosto suicida, anula o riso;
O som desta paixão detém o sol,
O som desta paixão apaga a lua.
O som desta paixão acende o fogo
Eterno que roubei, que te ilumina
A face zombeteira e me arruína.
O MÊS PRESENTE
Sinto que o mês presente se assassina,
As aves atuais nascem mudas
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre homens nus ao sul de luas curvas.
Sinto que o mês presente me assassina,
Corro despido atrás de cristo preso, |
Cavalheiro gentil que me abomina
E atrai-me ao despudor da luz esquerda
Ao beco de agonia onde me espreita
A morte espacial que me ilumina.
Sinto que o mês presente me assassina
E o temporal ladrão rouba-me as fêmeas
De apóstolos marujos que me arrastam
Ao longo da corrente onde blasfemas
Gaivotas provam peixes de milagre.
Sinto que o mês presente me assassina,
Há luto nas rosáceas desta aurora,
Há sinos de ironia em cada hora
(Na libra escorpiões pesam-me a sina)
Há panos de imprimir a dura face
A força do suor de sangue e chaga.
Sinto que o mês presente me assassina,
Os derradeiros astros nascem tortos
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre o morto que enterra os próprios mortos.
O tempo na verdade tem domínio.
Amen, amen vos digo, tem domínio.
E ri do que desfere verbos, dardos
De falso eterno que retornam para
Assassinar-nos num mês assassino.
SONETO
Necessito de um ser, um ser humano
Que me envolva de ser
Contra o não ser universal, arcano
Impossível de ler
À luz da lua que ressarce o dano
Cruel de adormecer
A sós, à noite, ao pé do desumano
Desejo de morrer.
Necessito de um ser, de seu abraço
Escuro e palpitante
Necessito de um ser dormente e lasso
Contra meu ser arfante:
Necessito de um ser sendo ao meu lado
Um ser profundo e aberto, um ser amado
As aparências enganam. Dois dos poetas brasileiros mais populares, Mario Quintana e Vinicius de Moraes, foram hábeis sonetistas. Talvez seja um argumento pertinente para revisitar Mário Faustino, que privilegiou a renovação do antigo mais do que a inovação pela ruptura. Cultivou formas consagradas numa postura combativa, de crítico dentro da própria criação.
Natural de Teresina (PI), morreu precocemente em 1962, aos 32 anos, num desastre aéreo. Em sua trajetória curta, transformou a crítica literária com uma página semanal no Jornal do Brasil, atormentando o compadrio elogioso entre os amigos e enfrentando figurões do porte de Cecília Meireles e Carlos Drummond de Andrade. Como tradutor, sincronizou o horário brasileiro com os relógios poéticos da Europa e dos Estados Unidos ao verter Charles Baudelaire, T. S. Eliot, Ezra Pound, Arthur Rimbaud e Paul Verlaine.
Lançou um único livro de poesia em vida, O Homem e Sua Hora (1955), que a Companhia das Letras acaba de reeditar, numa versão de bolso. Embora não tenha estabelecido um jeito original de versejar, desempenhou um papel decisivo e aglutinador. Representou uma figura de apoio entre duas pontas até então inconciliáveis: a tradição e a transgressão. Permitiu, assim, o surgimento do concretismo e a subsequente valorização da recriação na tradução. Assumiu uma condição ambivalente de vanguarda na crítica e retaguarda na poesia com o lema "repetir para aprender, criar para renovar".
Cantou como um barítono, extremamente alusivo, esbanjando aliterações e jogos sonoros. "Agora o bandoleiro brada e atira/ Jorros de luz na fuga de meus dias -/ E mudo sou para cantar-te, amigo,/ O reino, a lenda, a glória desse dia". Ressuscitou uma verve classicista, fundada em Virgilio e Dante Alighieri, com um mergulho intransigente na mitologia e na metalinguagem. Também adotou o tom imperativo e severo dos profetas bíblicos, de censura e ameaça. Não ficou com medo de Deus, apesar da tônica marxista-realista dominante da época. Alternou em seus versos símbolos do cristianismo (como sarça, peixes, serpente e sudário) e transfigurou os temas mais prosaicos em conflitos subjetivos e atemporais.
Não encontraremos nele o deboche, a ironia, os trocadilhos e a distensão modernista, mas um estado elevado de transe metafórico, de limpidez lírica. Desafiando a linguagem e revelando certa adoração pela morte, Faustino exibiu a luminosidade intensa e breve de um cometa.
Fabrício Carpinejar é poeta e cronista, autor do livro
www.twitter.com/carpinejar.
ROMANCE
Para as Festas da Agonia
Vi-te chegar, como havia
Sonhando já que chegasses:
Vinha teu vulto tão belo
Em teu cavalo amarelo,
Anjo meu, que, se me amasses,
Em teu cavalo eu partira
Sem saudade, pena, ou ira;
Teu cavalo, que amarraras
Ao tronco de minha glória
E pastava-me a memória
Feno de ouro, gramas raras.
Era tão cálido o peito
Angélico, onde meu leito
Me deixaste então fazer,
Que pude esquecer a cor
Dos olhos da Vida e a dor
Que o Sono vinha trazer.
Tão celeste foi a Festa,
Tão fino o Anjo, e a Besta
Onde montei tão serena,
Que posso, Damas, dizer-vos
E a vós, Senhores, tão servos
De outra Festa mais terrena
Não morri de mala sorte,
Morri de amor pela Morte.
O SOM DESTA PAIXÃO ESGOTA A SEIVA
O som desta paixão esgota a seiva
Que ferve ao pé do torso; abole o gesto
De amor que suscitava torre e gruta,
Espada e chaga à luz do olhar blasfemo;
O som desta paixão expulsa a cor
Dos lábios da alegria e corta o passo
Ao gamo da aventura que fugia;
O som desta paixão desmente o verbo
Mais santo e mais preciso e enxuga a lágrima
Ao rosto suicida, anula o riso;
O som desta paixão detém o sol,
O som desta paixão apaga a lua.
O som desta paixão acende o fogo
Eterno que roubei, que te ilumina
A face zombeteira e me arruína.
O MÊS PRESENTE
Sinto que o mês presente se assassina,
As aves atuais nascem mudas
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre homens nus ao sul de luas curvas.
Sinto que o mês presente me assassina,
Corro despido atrás de cristo preso, |
Cavalheiro gentil que me abomina
E atrai-me ao despudor da luz esquerda
Ao beco de agonia onde me espreita
A morte espacial que me ilumina.
Sinto que o mês presente me assassina
E o temporal ladrão rouba-me as fêmeas
De apóstolos marujos que me arrastam
Ao longo da corrente onde blasfemas
Gaivotas provam peixes de milagre.
Sinto que o mês presente me assassina,
Há luto nas rosáceas desta aurora,
Há sinos de ironia em cada hora
(Na libra escorpiões pesam-me a sina)
Há panos de imprimir a dura face
A força do suor de sangue e chaga.
Sinto que o mês presente me assassina,
Os derradeiros astros nascem tortos
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre o morto que enterra os próprios mortos.
O tempo na verdade tem domínio.
Amen, amen vos digo, tem domínio.
E ri do que desfere verbos, dardos
De falso eterno que retornam para
Assassinar-nos num mês assassino.
SONETO
Necessito de um ser, um ser humano
Que me envolva de ser
Contra o não ser universal, arcano
Impossível de ler
À luz da lua que ressarce o dano
Cruel de adormecer
A sós, à noite, ao pé do desumano
Desejo de morrer.
Necessito de um ser, de seu abraço
Escuro e palpitante
Necessito de um ser dormente e lasso
Contra meu ser arfante:
Necessito de um ser sendo ao meu lado
Um ser profundo e aberto, um ser amado
A desbundada poesia erótico-mística de Waldo Motta por Erly Vieira Jr.

Era 1994, eu tinha dezessete anos, havia acabado de entrar pra faculdade e começava a freqüentar o meio cultural capixaba. Naquele tempo, a Fafi era o “point intelectual” de Vitória e Waldo Motta ainda grafava seu nome como “Valdo Motta”, mas eu nunca tinha ouvido falar dele antes. Em algum daqueles happy hours culturais, bastante comuns nos saudosos anos 90, alguns poetas locais realizaram um recital no anfiteatro da Fafi, por ocasião do encerramento de uma oficina que o Chacal tinha realizado na cidade poucos dias antes. Um deles, baixinho, magrinho e com cara de poucos amigos, pegou o microfone, e se apresentou: “Meu nome é Edi-valdo Motta. Edi, pra quem não sabe, em gíria gay, significa”... e lá foi ele explicar pra platéia que edi era um singelo sinônimo para o impronunciável e familiar orifício anal.
Na mesa em que eu estava, todo mundo já alto por conta de horas de bebedeira, não teve um que não caiu na gargalhada. Aí ele começou: “No cu/ de Exu/ a luz.” Risinhos por toda a platéia. “Pronto, a bicha endoidou!”, foi o que eu pensei. Ainda mais depois que ele encarnou o pastor evangélico, para entoar um texto de nome “Encantamento”: “Ó Deus serpentecostal/ que habitai os montes gêmeos,/ e fizestes do meu cu/ o trono do vosso reino,/ santo, santo, santo espírito/ que, em amor, nos forjais,/ felai-me com vossas línguas,/ atiçai-me o vosso fogo,/ daí-me as graças do gozo/ das delícias que guardais/ no paraíso do corpo”.
E aí o risinho do começo da apresentação foi se tornando cada vez mais amarelo. E todo mundo foi percebendo que o negócio ali era seríssimo. “A poesia é a minha /sacrossanta escritura,/ cruzada evangélica/ que deflagro deste púlpito./ Só ela me salvará da guela do abismo./ Já não digo como ponte/ que me religue/ a algum distante céu,/ mas como pinguela mesmo,/ elo entre alheios eus”, dizia um poema de nome “Religião”. Pronto. Antes do recital terminar, eu já havia me tornado admirador incondicional do cara. Meses depois, matriculei-me numa de suas oficinas literárias. Foi uma das melhores coisas que fiz na vida. Das Oficinas Poiesis, ainda iriam surgir alguns dos nomes mais barulhentos da geração de poetas capixabas nos anos 90 e 00, mas isso já é outra história.
Até porque a história que quero contar aqui é a de Waldo Motta (nascido em 1959 na cidadezinha de Boa Esperança, situada no norte do Espírito Santo), cuja poesia situa-se no cruzamento entre o homoerotismo e uma leitura das Sagradas Escrituras, de uma maneira tão revolucionária e estarrecedora que proporcionou ao escritor muito mais barulho que qualquer poeta local fez no cenário nacional. E isso sem precisar de sair da ilha para poder ter algum reconhecimento nacional (condição que, infelizmente, ainda hoje é meio que regra para quem quer tentar uma carreira iniciada nas capitais fora do eixo hegemônico deste país).
E é Waldo que nos apresenta sua tão peculiar visão do cruzamento entre sagrado e erotismo na poesia, como podemos confirmar no prefácio de sua coletânea Transpaixão, publicada em 1999:
“Mas a doutrina que prego não é invenção, é uma descoberta: acredito piamente que encontrei a palavra perdida, secreta, impronunciável, e que nada me impede de anunciá-la, e nem a ninguém, apesar de Borges e do Imperador Amarelo. (...) Fodam-se todos: o sagrado é o sacro, e o grande segredo é que em nosso rabo está o Santo dos santos, o Céu dos céus. Por conseguinte, a solução de todos os problemas. E o povo brasileiro, com seus 200 e tantos sinônimos de bunda, parece intuir esta verdade maior.”
Isso já dá uma boa idéia do que o leitor pode esperar de cada um dos livros de Waldo. Ele afirma ser a sua poesia um “drama espiritual”, uma reflexão existencial, fruto de um processo de auto-conhecimento e maturidade. Essa trajetória se inicia em 1981, ainda no norte do Espírito Santo, com a publicação de quatro livros em tiragens independente, de poesia desbocada, recheada de gírias e episódios afrontosa e assumidamente gays, em franca consonância com o escracho da poesia marginal setentista — esses trabalhos seriam reunidos na coletânea Eis o homem, publicada pela FCAA/Ufes em 1987, numa espécie de balanço dessa primeira fase da carreira.
Poiezen, publicado pela Massao Ohno três anos depois, já aponta uma série de reflexões metapoéticas que, junto a Waw (palavra hebraica que significa ponte, travessia), marcariam uma transição para a epifania erótico-mística de Bundo, livro de 1995 que revelou Waldo (na época ainda grafado com “V”) no cenário nacional. A publicação de Bundo e outros poemas (reunindo os então inéditos Waw e Bundo), pela Editora da Unicamp, em 1996, logo atraiu os olhares de diversos figurões das letras brasileiras para a irreverência solene do poeta capixaba.
Isso é o que podemos comprovar neste depoimento Waldo, que transcrevo da gravação que fiz de sua recente participação numa mesa-redonda sobre poesia, realizada em Vitória, no Centro Cultural Up:
“Sempre fui considerado um poeta indecente, obsceno. Isto porque eu sempre misturei baixo calão com alto calão. Palavras difíceis, eruditas com palavras sujas, enlameadas, gosmentas. E não só por esta mistura de registros, também pela temática. Eu sempre me assumi como homossexual, não é uma palavra da qual eu goste, mas não tenho outra. E sempre fui muito místico. Logo, nas minhas pesquisas, estudos, aquilo que para muita gente não tem nada a ver eu descobri que tem muito a ver. Sexualidade com religião.. O mais chocante de tudo é que nas minhas pesquisas quanto mais eu procuro Deus, o sagrado, eu sempre acabo chegando aos 'países baixos', a uma geografia muito interessante do corpo humano. (...) Desde o início da história humana, existem tabus. E o que eu descobri nas minhas pesquisas e que reflete na minha poesia, é que a sexualidade é tanto a perdição quanto a salvação da humanidade”.
Apesar de recusar o rótulo de “autor gay” que a então dominante tendência dos “estudos culturais” tentou lhe conceder na década de 90, Waldo foi tema de artigos, resenhas e textos diversos de Iumna Simon, João Silvério Trevisan, Célia Pedrosa, José Celso Martinez Corrêa e Ítalo Moriconi, entre outros. Sem contar que foi incluído pela Heloísa Buarque de Holanda na antologia Esses poetas (1998), que reunia a nata da geração 90 da poesia brasileira.
Waldo ainda participou de programas como o Writer-in-residence, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, além da bolsa concedida pelo Departamento de Cultura de Munique, em 2001, que lhe permitiu concluir o poema anagramático Recanto, que se tornou sua mais recente publicação, em 2002.
E qual seria a receita para a poesia de Waldo? Para ele, a poesia tem que fazer jus à origem do termo (do grego poiesis) — descoberta, invenção, criação de realidades através do verbo: “Mas também descoberta de realidades e mundos ignorados, outras Américas e terras prometidas”, complementa, explicando que, para obter tais resultados, ele faz uso de recursos pouco usuais como interpretação de sonhos, numerologia, cabala, anagrama, estudos etimológicos de línguas como o hebraico, o yorubá e o tupi-guarani, além, é claro, dos textos sagrados oriundos de diversas tradições místico-religiosas. A isso, Waldo dá o nome de “método paraclético”, um método apocalíptico, escatológico, que pretende discutir exatamente o “fim das coisas”. Afinal, poesia, para ele é também vaticínio, profecia, sendo o poeta, dessa forma, a “antena da raça” de que tanto falava Ezra Pound.
Além de Pound, Waldo também me faz lembrar um outro nome fundamental do século XX: Jean Genet. Não só pela proximidade com uma certa marginalidade, mas também por uma opção extremamente sincera por viver de literatura (e Waldo leva isso tão ao pé da letra, ao ponto de residir, até o final da década de 90, num minúsculo porão no centro de Vitória, rodeado de livros e escritos, exatamente o período em que sua literatura mais freqüentou os cadernos culturais dos principais jornais de circulação nacional). No prefácio de Bundo, Waldo escreve:
“Minha poesia é uma síntese de meu projeto de vida, uma aventura em busca da Verdade, intuída como a ciência da restauração da condição divina (...). Não quero apenas escrever, mas também ser o que escrevo. Daí o entusiasmo e o tom solene, porque é algo sério; daí o caráter pregacional, mesmo que o meu discurso esteja ainda em construção.”
É ainda nesse texto que ele afirma propor em Bundo o cruzamento entre o “amor que não diz seu nome” e o “nome impronunciável” ou “palavra secreta”, tão presente nos textos esotéricos e freqüentemente associada à poesia. Uma mistura explosiva, não? “Eu quero ser lido, entendido, debatido, assimilado, apedrejado, amado, babado, beijado por todo mundo. Mas não posso negar que sou perverso, perversejador. Eu sou perigo, sou um grande problema. Porque sou muito radical em tudo que faço. Arte, poesia é uma questão para mim de vida e morte”, afirma o escritor.
Para Waldo, a salvação não deixa de ser “uma senda erótica”, como comprovam versos como os do poema “As brincadeiras sérias”: “Só pode amar quem moeu/ seu eu na amorosa mó,/ e desse pó renasceu”. Convenhamos: afirmar isso, numa época em que boa parte da literatura brasileira tem tão pouco a dizer, já é mais do que suficiente para iniciar um grande debate, não acham?
Mostra "A Essência de Pedro Almodóvar"
Para dar início oficial às atividades deste “Bordel”, nós do Cineclube escolhemos o mais brega entre os chiques dos cineastas contemporâneos. Ele trabalhou 12 anos numa empresa de telefonia, teve uma banda de “glam rock” e fez teatro experimental, hoje é o cineasta espanhol mais reconhecido do mundo, Pedro Almodóvar.
O artista se destacou durante os anos 70, quando foi figura importante do “La Movida Madrileña” movimento de renascimento da cultura espanhola após a queda do Regime de Franco, fazendo curtas-metragens em super-8 e sempre tocando em temas controversos como sexo, drogas e religião. Mas foi apenas no final dos anos 80 que ele ganhou destaque mundial com o histérico “Mulheres à beira de um ataque de nervos”.
Por isso, nós do cineclube nos perguntamos: “O que Almodóvar fez durante todo os anos 80 antes do sucesso internacional?” Oras, eles fez filmes! Claro! E são seus filmes mais coloridos, vibrantes, histéricos, eloqüentes, melodramáticos, “junkies”, cheios da energia do início da carreira, bordados com o que há de melhor da música popular espanhola, vividos por personagens femininos marcantes cheias de paixão e desejo e homens em crise existencial. Nesta mostra exibiremos além de “Mulheres à beira de um ataque de nervos”, “Pepi, Luci e Bom e outras garotas de montão” (filme nunca lançado no Brasil), “Maus Hábitos”, “A Lei do Desejo”, dentre outros.
Nunca ouviu falar destes filmes e nem sabe quem é Pedro Almodóvar? Então esta é a maior razão para você não perder esta mostra! Você já viu todos esses filmes? Então essa é a sua chance de revê-los em tela grande!
PROGRAMAÇÃO:
18/08 - Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos
25/08 - Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão
01/09 - Labirinto de Paixões
08/09 - Maus Hábitos
15/09 - Que fiz para merecer isto?
29/09 - A lei de desejo
Quartas-feiras de Agosto e Setembro, a partir do dia 18 (exceto 22/09)
Horário: 19h
Onde: Anfiteatro João Carriço – Funalfa
Avenida Rio Branco 2234 – Centro – Parque Halfeld
Entrada Franca.
Mundo Falocentrico, Utopia Feminina por Júlio Zanin
Pedro Almodóvar é, num primeiro momento, o cineasta do pós-franquismo, da Espanha moderna, que se desrecalca depois de uma longa e moralista ditadura. É, como já se disse, o cineasta da “movida”, da farra da Madri liberada, mas, de maneira mais profunda, da abertura do país a toda a sorte de influências, antes filtradas pela alfândega censória do generalíssimo.
Anárquico e libertário, Almodóvar pôde ser moderno sem jamais deixar de ser profundamente espanhol. Divulgou uma Espanha colorida, fortemente melodramática e picaresca em filmes como Pepi Luci Bom (1980), Labirinto de Paixões (1982) e Maus Hábitos (1983), para citar alguns dos títulos mais conhecidos dessa primeira fase. Nela, o anticlericalismo radical (só acessível a quem foi criado em ambiente puritano) une-se à questão urgente do sexo. E, posteriormente, do desejo, tratado de maneira mais ampla em Matador (1986), A Lei do Desejo (1987) e Ata-me (1990). Interessa a Almodóvar esse impulso paradoxal do desejo humano, que força os limites do socialmente conveniente e é própria afirmação de vida, mas também do seu contrário, a morte, a extinção do ser. Eros e Tânatos, segundo o jargão da psicanálise.
Nesse universo ambivalente, não faltam personagens homossexuais, bissexuais, travestis, transexuais e mesmo heteros. A pulsão humana não se resume aos interesses da reprodução e da continuação darwinista da espécie, e Almodóvar coloca no centro da sua cinematografia esse caótico Eros humano que explode em todas as direções e em todas as formas, até mesmo na sua inversão mais radical, a morte. Seus filmes se desenrolam nesse universo multissexual, colorido, vibrante, nas cores da paixão e das variações possíveis em torno da ciranda amorosa.
Mas, fora isso, como numa espécie de círculo concêntrico, Almodóvar revela-se extraordinário conhecedor
da alma feminina, e apologista de um tipo particular, a mulher latina. Suas atrizes favoritas logo passaram a usar o adjetivo de “almodovarianas”, tamanha a identificação com o projeto artístico e existencial do cineasta – Carmen Maura, Victoria Abril, Rossy de Palma, Marisa Paredes, e, agora, Penélope Cruz que, com ele em Volver (2006), desabrochou, perdeu aquele ar de chatinha e assumiu-se exuberante. O interessante é que o Almodóvar anárquico dos primeiros filmes e, em especial, do grande sucesso Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988), sofre mutação sutil em sua fase mais madura. Sem nunca perder o gume crítico e a alma libertária, passa a imprimir tom mais terno a seus filmes. Como esquecer, por exemplo, o final de A Flor do Meu Segredo, com a música de Tonada de Luna Llena (cantada por Caetano Veloso), que acompanha o espectador como se o embalasse em doce conforto depois de tudo que lhe fora servido ao longo da trama? Ou o tom caloroso de Fale com Ela, um dos seus mais belos títulos recentes?
Neste, em meio a uma história como de hábito conturbada, o personagem Benigno (Javier Câmara) insiste que se deve conversar com as pessoas, mesmo com pacientes em coma profundo. É um patético apelo à comunicação neste mundo de balbúrdia em que as pessoas, por paradoxo, tendem a se isolar umas das outras. O cinema de Almodóvar, terno, caloroso, vibrante, ensaia um movimento em sentido contrário. Sem nunca ser diretamente político, ainda assim ele o é, ao se abrigar no vital universo feminino, refúgio para um mundo masculino e árido – mesmo que nesse mundo real as mulheres tenham participação cada vez maior, desempenhando seus novos papéis de maneira máscula.
É desse mundo ainda falocêntrico que Almodóvar faz a crítica mais consistente do cinema atual. A cumplicidade entre as suas mulheres, a maneira prática e ao mesmo tempo suave como enfrentam as contingências da vida, da doença e da morte, apontam, no pós-socialismo real, para um outro tipo de utopia contemporânea.
Mulheres à beira de um ataque de nervos - Quarta-feira -18/08 - Videoteca João Carriço
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